14 de maio de 2016

1º EPISÓDIO - O RETIRO DO QUEBRA-BILHAS de A. RAPOSO



(Histórias de Lisboa do antes de 25 de Abril)

PAQUETE NIASSA Fonte: http://restosdecoleccao.blogspot.pt/

O Alferes Sesinando tinha acabado de desembarcar do Niassa no Cais a Rocha, em Lisboa.
O saco da roupa à civil e algumas recordações de África mais propriamente de Angola, era toda a sua riqueza.

Fonte: http://www.museudopapel.org/
Lá de Freixo de Lamego de onde era natural, uma aldeia perdida nas pedrarias da montanha, deixara os pais e os dois ou três amigos. Trabalho por lá não havia nem à partida nem à chegada. Isso sabia bem pois sempre recebia um ou outro aerograma dos pais quando estivera no mato dois longos anos.


Ali estava ele, com um futuro obscuro à sua frente mas são como um pero e sem marcas da guerra. Vinte e um anos, já a fazer vinte e dois em Agosto que já vinha perto.
Notava-se pelo calor.

Aliás, a guerra era para esquecer. Nada mudara em Angola e pelos vistos nada mudara em lado nenhum.
Pensara em ir para França. Diziam que se encontrava facilmente trabalho e bem pago. Em francos. O pior era a língua. Não dominava.
Tinha ainda uns escudos no bolso fruto das trocas de coisas com os pretos. O saco vinha carregado de pau de cabinda, madeira que se vendia bem em Lisboa. Era o seu pé de meia.

Meteu-se num elétrico e veio até ao Martim Moniz local que ele sabia haver pensões baratas para pernoitar e onde se dizia que a noite era divertida.
Ali à esquina ficava a conhecida “Base Aérea nº 1”  nome de guerra do Bolero, um bar de terceira com música ao vivo. 

Uma orquestra de três ceguinhos da Associação Luiz Braile que iam ali tocar na noite (para eles era sempre dia!) para fazer uns tostões extra. Entre as gargalhadas do mulherio já tocado e os acordes desafinados das concertinas uma nuvem de fumarada tapava das vistas muitas desgraças.

O bar era frequentado por senhoras que já tinham feito duas guerras mas que continuavam firmes e prontas a enfrentar qualquer batalhão, por mais armado que fosse desde que lhes oferecesse vinte paus e uma cerveja.

Sesinando estava precisado. Tinha que mudar o registo e retirar o mato da sua cabeça.
Agora a guerra dele era outra. Havia música, cerveja e putedo. E viva a “peluda”!



Fonte: http://madeinportugal560.blogspot.pt/



4 comentários:

  1. Respostas
    1. Os episódios serão publicados ao sábado, pelas zero horas.

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  2. Sim senhor! A escolha de um período da nossa história contemporânea que diz muito a muita gente. Aliciante o quanto baste. Cá estarei pronto para "filar os clises" na prosa...

    LS, Coimbra

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