13 de julho de 2013

RECORDAÇÕES HOLMESIANAS


RECORDAÇÕES HOLMESIANAS (5 - 2ª PARTE)
PASTICHE / PARÓDIA — A AVENTURA DA MULHER GATO
De Oscar Ferrer
Este magnífico pastiche foi extraído do fanzine “Las Notas del Violin, Nº17 de Janeiro de 1933, com a devida vénia ao autor e à revista — a nossa gratidão.
M. Constantino
 
Foi num dia de Dezembro de 1893, segundo os apontamentos do meu caderno de notas, que o inspector Lestrade nos introduziu, a Holmes e a mim mesmo, na misteriosa aventura da mulher-gato.
— Meu bom amigo Watson, a que devo a honra da sua visita?
— Há algum tempo que não nos víamos, Holmes. Sei, pelos jornais, que anda envolvido no caso do assassino internacional. Pela sua alegria, penso que o resolvei satisfatoriamente.
— Com efeito, Watson. E a minha alegria redobra neste momento, já que, se não estou equivocado, acaba e chegar Lestrade para depositar nas minhas mãos um novo caso. Talvez possa embelezar com a sua prosa, outro dos meus casos.
E ao mesmo tempo que dizia isto, passou-me para as mãos um telegrama que dizia:
“Irei visitá-lo às doze.
Lestrade”
— Foi expedido às nove. Pelo ruido das suas botas, deduzo que agora mesmo vai aparecer à porta.
Efectivamente a porta da sala abriu-se e a Sr.ª Hudson apareceu com Lestrade, pálido e desalinhado.
— Sente-se, meu bom Lestrade — disse Holmes — oferecendo-lhe uma cadeira. — Diga-me que mistério o fez levantar da cama a altas horas da madrugada para ir a Whitechapel para um assunto de assassinato. A sua barba denota a urgência com que o chamaram e pela palidez da cara atrevo-me a considerar que o problema é de origem grave. Assim o diz a sua fisionomia de assombrado.
— Sr. Holmes — disse Lestrade, com um suspiro — mandaram-me chamar cerca das quatro horas da madrugada. A ronda nocturna havia encontrado em Whitechapel o cadáver de John Clay, aquele individuo com o qual tivemos problemas há uns cinco anos.
— Recordo-me, sim, no “Caso da Liga dos Ruivos”. Mas, continue, por favor…
— Bem. Fui rapidamente para Whitechapel porque me disseram que havia testemunhas que haviam visto o assassino e o tinham encurralado. Ao chegar vi o cadáver de Clay. Cortaram-lhe a garganta de orelha a orelha. Deixaram ali mesmo a arma, uma mão artificial com unhas aguçadíssimas e retrácteis como as dos gatos. Diversas testemunhas afirmaram ter visto uma figura humana disfarçada de gato atirando-se sobre Clay. A dita figura fugiu ao ouvir vozes e refugiou-se numa casa perto. Voluntários do bairro rodearam o edifício Quando acorri e entrei na casas só encontrei três mulheres.
— Prosiga, prossiga! — disse Holmes impaciente.
— As mulheres que encontrei correspondem aos nomes seguintes: Amanda Johnson, de 33 anos, prostituta conhecida; Sara Smith, de 39 anos, proprietária de um bar próximo; e Selma Kyle, de 28 anos, professora de uma escola situada na mesma rua.
— O senhor revistou bem a casa? — perguntou Holmes.
— Sim, revistei bem a casa. Tudo estava normal se exeptuarmos uma pequena passagem secreta que comunica a cozinha com o sótão e neste existe um postigo. Daí uma pessoa ágil poderia sair até ao telhado e, uma vez ali, o edifício mais perto é a uns quatro metros de distância…um salto que nenhum ser humano se atreve a fazer.
Holmes ficou em silêncio, absorto em pensamentos durante um momento. Lestrade acalmara-se um pouco. Aproveitei para carregar de tabaco e acender um cachimbo, enquanto o grande detective continuava com a vista fixa num ponto longínquo.
Despertou por fim e disse:
— Lestrade, esta tarde investigarei essas três mulheres. Venha cá por volta das seis horas tomar um chá. Seguramente terei já a solução.
Homes acompanhou Lestrade e a mim próprio até à porta. Combinámos volta àquela hora.
Assuntos urgentes atrasaram-me e cheguei a Baker Street às seis horas e vinte minutos.
— Sente-se Watson — disse Holmes. Observava, entretanto, que tinha o mesmo bom humor da manhã. Lestrade já tinha chegado e estava contricto e ruborizado.
— Estava a explicar a Lestrade como se escapou das suas mãos o assassino de Clay — esclareceu Holmes, enquanto me passava uma chávena de chá.
— Como foi? — inquiri.
— Pode comprovar, visitando o local dos factos, que o assassino entrou, efectivamente, na casa e que saltou do telhado esses metros que parecem impossíveis de saltar para um ser humano. Contudo… não alguém que se creia, efectivamente, um gato!
— Bem, Holmes, — admitiu Lestrade — É teoria sua e não tenho outro remédio semão aceitá-la, ao não dispor de nenhuma outra. Agradeço-lhe. Dito isto, levantou-se e invocando uma investigação urgente, deixou-nos sós.
Holmes levantou-se, abriu um armário-roupeiro de onde tirou um disfarce de gato de corpo inteiro.
— Onde demónio arranjou isso? — perguntei.
— Falei esta tarde com as suspeitas — respondeu. Uma delas sentia um grande afecto pelos gatos. As outras duas odeiam-nos. Precisamente foi essa mulher, que tanto afecto nutre pelos gatos, a mais relacionada com Clay… até ao ponto de ser sua irmã!
— Mas Holmes! Por que não contou isso a Lestrade?
— Watson, essa mulher matou o irmão porque este tinha abusado sexualmente dela, repetidas vezes. Vingou-se matando-o. Tem muito de fria determinação que se disfarçasse de gato. Contudo também indica a seu favor a inteligência da mulher. Apanhei-a com o disfarce nas mãos, tratando de se esconder. Entregou-me a dupla identidade e implorou-me chorando, chorando para não a denunciar, pois o facto nunca mais se voltará a repetir.
— A mulher-gato era Selinda Kyle — afirmei.
— Na verdade, Watson, o seu apelido era Clay, só o matou para não ter problemas. Pessoalmente penso que alguns crimes não merecem castigo, se o assassinado é tão desprezível como este. Calámos a vingança da formosa Selinda Kyle.
Olhei Holmes nos olhos, fixamente. Aquela expressão nunca mais a vi desde o tempo de Irene Adler. Compreendi que devia manter-me em silêncio.
 
Com o tempo, a única recordação daquele caso foi-se… um disfarce de gato que Holmes guarda como uma preciosidade entre outros casos, relembra-o.
 

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