29 de dezembro de 2012

CALEIDOSCÓPIO 364

Efemérides 29 de Dezembro
Gilbert Adair (1944 - 2011)
Nasce em Kilmarnock, Escócia. Jornalista, crítico de cinema, argumentista, tradutor, argumentista, poeta e romancista bem conhecido internacionalmente pelas suas obras de ficção. No campo da narrativa policiária destaca-se: The Death Of The Author (1992) — uma sátira negra e um misterioso assassinato, A Closed Book (1999) — um thriller sobre um escritor premiado que fica cego devido a um acidente automóvel, e, principalmente a trilogia Evadne Mount, 3 pastiches de Agatha Christie: The Act Of Roger Murgatroyd (2006), A Mysterious Affair Of Style (2007) e And Then There Was No One (2009).




TEMA — LITERATURA POLICIÁRIA — EVOLUÇÃO DAS TÉCNICAS NARRATIVAS: COMO FOI COMETIDO O CRIME?
O segundo processo da técnica narrativa policiária — para nós a primeira, visto que a primeira já referida não é evolução, pertence a Poe criador do género — está ligado ao modus operandi do ilícito criminal, isto é, Como foi cometido o crime? A pergunta é talvez mais abrangente do que a idealizada pelo autor da inovação. R. Austin Freeman (Clicar) que no prefácio de The Singing Bone (1912), depois de considerar equívoca a sacramental pergunta de “Quem foi?”, normalmente descoberta nas últimas páginas da narração, e não satisfaz tanto o interesse do leitor “Como se chega ao conhecimento do delinquente?” O processo de Freeman ganhou juízes e continuadores, servindo mais tarde para o aparecimento de novos processos narrativos.
Apresentamos um caso deste referenciado processo, que está por coincidência no ambiente de “crime de quarto fechado”, da autoria de Patricia Meadows.

The Singing Bone (1912), published in the USA as The Adventures of Dr. Thorndyke [story collection]

CONTO  
Delancey, delegado de polícia, enxugou o pescoço com o lenço e soltou uma praga. O seu escritório ficava no edifício central e não tinha ar condicionado. Havia janelas, naturalmente, mas o ar que vinha de fora estava ainda mais quente que o de dentro.
Pensou em Moran, que estava numa cela, sem janelas, quatro andares acima. Mas a cela dele era fresca. Moran, Costeletas, o homem vindo do mundo do crime, estava: confortável e protegido. Pelo menos por enquanto. Brevemente seria levado para uma penitenciária estadual.
Delancey passou os olhos pela transcrição do interrogatório daquela manhã. Pelo menos três dos maiores chefes do mundo do crime, poderiam ser presos com base no depoimento de Costeletas: As acusações teriam que ser provadas, naturalmente, mas metade dos detectives que trabalhavam sob as ordens de Delancey já estavam na rua, a fim de conseguir, as provas.
Delancey pendurou o lenço nas costas de uma cadeira e apanhou o que já estava lá pendurado.
Olhou para o vídeo da TV de circuito fechado que mostrava a cela onde o Costeletas estava protegido de todos aqueles que gostariam de o eliminar antes que ele mencionasse outros nomes: Costeletas andava de um lado para o outro na cela. Tinha o andar arrastado de todos os fracassados, fora ou dentro do mundo do crime. Os ombros pendiam desanimados e, de vez em quando, esfregava as mãos uma na outra.
Delancey achava que aquele marginal de terceira categoria, não tinha nada a temer. A cela era absolutamente segura. Não tinha janelas. A única porta estava trancada e guardada por polícia em quem confiava inteiramente.
Ia começar a ler o interrogatório pela terceira vez. Foi então que Costeletas fez um movimento brusco no ecrã de TV: a cabeça virou-se em direção contrária à porta e olhou para o tecto.
Antes que Delancey tivesse tempo de pressionar o botão do aparelho de intercomunicação, o Costeletas já tinha caído no chão. O corpo sacudiu-se duas vezes em espasmos que foram os movimentos mais decisivos de toda a sua vida. Foram também seus últimos movimentos.
Delancey pressionou o botão ao mesmo tempo que o telefone interno tocava. Com os olhos sempre presos ao aparelho de TV, atendeu o telefone.
— Chefe, aconteceu qualquer coisa…
A voz do outro lado soava nervosa e incrédula.
— Eu vi. O edifício ficará interdito. Nem mesmo o chefe de Polícia poderá sair. Entendeu?
Desligou sem esperar que o outro respondesse.
Não se passaram mais de dois minutos. A porta da, cela foi aberta-e a parte inferior da porta empurrou os joelhos de Costeleta, aproximando-os de seu queixo. Delancey carregou num botão. Alguém atendeu:
— Sim, chefe.
— Costeletas foi assassinado. Não me pergunte como. Pare todos os elevadores e interdite as escadas. Ponha algemas em qualquer pessoa que tente, sair do edifício.
Soltou o botão do aparelho e dirigiu-se às escadas para subir os quatro andares. Olhando sobre o ombro para a televisão, viu que três guardas já estavam curvados sobre o corpo de Costeletas. Enquanto subia a escada de dois em dois degraus, lembrou-se de certo detalhe nas declarações de Costeletas. Tudo estava explicado. Com aproximadamente cinco minutos de atraso, pensou.
Delancey introduziu o seu enorme corpo na pequena cela. Os outros apertaram-se para lhe dar lugar.
— Ácido cianídrico, Chefe. Mas não estava com ele. Ninguém foi tão bem revistado por nós. Isso não podia ter acontecido!
— Não podia ter acontecido, mas o facto é que ele está morto. Mas não foi suicídio, era demasiado cobarde para se suicidar.
— Mas se não foi suicídio…
— Procure o zelador do edifício e leve-o para o meu escritório.
O Detetive Laramy ia dizer qualquer coisa, mas olhando para a expressão do rosto do chefe, achou melhor não dizer nada. Depois de ele ter saído, Delancey perguntou a um outro detective:
— Como são chamados, agora os zeladores dos grandes edifícios?
O pai de Bill Jefferson custeara os estudos do rapaz com seu salário de zelador.
—Técnico de edifícios? — sugeriu Jefferson.
— Certo Bill. Onde estavam vocês quando era mais necessário? — disse Delancey, olhando para os detetives espantados. — Pelo amor de -Deus, homens, eu não estou louco, não! Será que' nenhum de vocês procurou imaginar quem fosse o técnico que Costeletas mencionou essa manhã, dizendo que estava dentro da delegacia? Não, vejo pela vossa cara que ninguém pensou no caso. Aqui eu sou o único que procuro pensar. E penso devagar demais…
Delancey pensou: raciocinei devagar demais e eles tiveram tempo de agir. Praguejou mentalmente e saiu da cela.
O Departamento de Identificação já tinha enviado para o escritório de Delancey a ficha de Ben Carter, que ocupava o posto de técnico de edifício há sete meses.
— Carter, vou fazer a pergunta uma vez apenas, antes de os polícias o levarem para o andar de baixo.
Delancey esperava que a expressão “andar de baixo”, com todo o seu significado de ameaça, produzisse o efeito que desejava… Continuou:
— Quem o contratou para eliminar Costeleta?
A resposta veio, muito conhecida, como se fosse um eco de outras anteriores:
— Não, entendo o que o senhor quer dizer. Quero chamar o meu advogado.
Delancey suspirou e apontou para o, telefone.
— Está aí o telefone, mas não vale a pena fazer a ligação. Sabe tão bem quanto eu que o advogado chegará aqui antes de falar com ele. Em todo caso, chame-o se quiser.
Carter segurou o aparelho.
— Espere um momento.
Carter retirou a mão do telefone.
— É muito difícil conseguir actualmente ácido cianídrico e a quantidade que precisou foi grande. Será muito fácil descobrir procedência. Confesse, Carter. Seria melhor para se se tornasse testemunha de acusação contra os que o contrataram.
Carter pegou no telefone e não respondeu.
Laramy, sentado no canto da mesa de Delancey, disse:
— Chefe, será que o senhor perdeu a cabeça? Carter nem tentou fugir… esteve sempre na cave! Por que é que o senhor acha…
Com a mão esquerda, Delancey fez um gesto para que Laramy saísse de sua mesa. Disse:
— Muito bem, Laramy. Vamos examinar o caso. Carter não tentou fugir porque estava seguro de que ninguém suspeitaria dele. Agora, diga-me. O que é que durante todo o dia entra e sai daquela cela? ~
Com o canto dos olhos, Delancey notou que Carter hesitou um momento enquanto discava o número.
Laramy sacudiu ambas as mãos e disse:
— Nunca soube decifrar enigmas.
— Ar, Laratny, é esta a resposta! Ar novo e refrescante! E de onde vem o ar? Da unidade central de refrigeração, que fica na cave. A cela é nova. A tubagem que chega à cela também é nova e com certeza é completamente separada do antigo sistema de refrigeração. Seria muito fácil colocar Um recipiente contendo ácido cianídrico numa das juntas dos tubos. O ácido só poderia ser levado para a cela e para nenhum outro lugar. Certo, Laramy?
Carter largou o telefone.
— Mas que diabo, chefe, Bill e Jamie entraram na cela logo de seguida. Porque é que eles não sofreram nada?
— Num dia quente como o de hoje, a troca de ar daquela cela é feita com muita rapidez. Se Costeletas tivesse prendido a respiração por dois minutos, ainda estaria vivo. O exaustor que fica, perto do chão chupa o ar da cela e levou o veneno de volta aos filtros. Não é isso mesmo, Carter?
Delancey virou-se bruscamente e ficou a olhar firme para o outro.
Carter tinha na face a expressão da derrota. Estava pronto para falar.
— Muito bem, Detetive Laramy. Que tal ir até à cave e procurar o recipiente do ácido? Por perto deve haver uma máscara contra gases, também. Sugiro que você procure a máscara em primeiro lugar.
— Está na caixa das ferramentas — informou Carter.
Laramy abanou a cabeça é saiu da sala. Delancey percebeu, pela expressão de Carter, que ele queria dizer alguma coisa. Esperou.
— Só lhe peço que não me ponha naquela cela.


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