17 de dezembro de 2012

CALEIDOSCÓPIO 352

Efemérides 17 de Dezembro
Christianna Brand (1907 - 1988)
Mary Christianna Milne Brand nasce na Malásia. Escritora britânica publica o seu primeiro romance em 1941: Death In High Heels. Escreve 17 romances policiários com diferentes personagens principais: Inspector Charlesworth, Inspector Chucky, e ainda Inspector Cockrill da Kent County Police. Escreve livros — 3 colectâneas de short stories. O seu romance mais famoso é Green For Danger (1944), o 2º da série Inspector Cockrill, adaptado ao cinema. Christianna Brand, que preside a The Crime Writers' Association usa também os pseudónimos Annabel Jones, China Thomson, Mary Ann Ashe e Mary Roland. Em Portugal estão editados:
1 – Verde Sinal De Perigo (1948), Empresa Nacional de Publicidade. Título Originsl: Green For Danger (1944). É o 2º livro da série Inspector Cockrill. Reeditado em 1990 pela Círculo de Leitores.
1 – A Morte De Saltos Altos (1957), Colecção Policial, Empresa Nacional de Publicidade. Título Originsl: Death In High Heels (1941). É o 1º livro da série Inspector Charlesworth.


Richard Sale (1911 – 1993)
Nasce em nova Iorque, EUA. Conhecido realizador de cinema e argumentista, começa como escritor policiário nos pulps magazines nos anos 30. Cria a série Daffy Dill. A adaptação ao cinema do seu romance Not Too Narrow… Not Too Deep (1936)., em 1944 é um sucesso e coloca Sale no caminho da indústria cinematográfica. Em Portugal está editado:
1 – O Mistério Do Teatro Chinês (195?), Colecção As grandes obras de mistério e acção, Editorial Século. Título Original: Benefit Performance (1946).

 

TEMA — CONTO POLICIÁRIO DE CHRISTIANNA BRAND  — O ÚLTIMO CONTO
Era meia-noite. O inspector-chefe fez a habitual advertência. Trocou olhares com o Detective-Inspector Cockrill e acrescentou:
— Mas não há pressa.
Não desejavam que a Defesa afirmasse mais tarde que tinham forçado o rapaz a fazer uma declaração quando estava histérico e esgotado.
Mas não restava nele desejo de lutar.
— Dêem-me a caneta — disse — Eu escreverei. Estou acostumado a escrever coisas.
Escreveu o título: “Um conto meu que será publicado.
Mas postumamente, suponho eu. Naquele tempo ainda havia pena de morte.
Na realidade, porém, seria publicado antes da execução da sentença; porque outra razão seria a sentença executada?

Eu queria casar com Pam (dizia a declaração). Não tinha dinheiro. Pam disse, em tom de brincadeira:
— Vais precisar assassinar a tua rica tia Ellen.
Eu falei
 — Sim, e deixar que o primo Peter morra enforcado… se isso acontecer ficarei com o dinheiro todo.
Continuamos a discutir isso. Pam estava comigo, mas não assassinou a minha tia. Estava a quilómetros de distância na ocasião. A única coisa que fez foi falar o que eu lhe dissera para falar pelo telefone.
O meu primo Peter e eu tínhamos apartamentos vizinhos — quarto e sala. As paredes são finas como papel. Podia ouvir a máquina de escrever e Peter a matraquear do amanhecer até ao escurecer.
Não conseguia com seus escritos muito mais do que eu, mas Deus sabe que não era por falta de trabalhar: teque, teque, teque… com dois dedos naquela maldita máquina de escrever — isso deixava-me louco. Mas pelo menos quando chegou o dia, isso significava que a qualquer hora até as seis da manhã ele estaria no seu apartamento, sem alibi.
Pedira a tia Ellen que me telefonasse às quatro horas e, sendo a tia Ellen, ela telefonou exatamente às quatro horas. Por isso, a Sra. Jones, que fazia a limpeza para bós, estava lá para me ouvir dizer que iria à casa de tia Ellen tomar chá às cinco e meia. “A senhora não se importa se eu chegar um pouco atrasado, tia Nell? Estou a trabalhar num conto para a revista Tulipa Negra. Prometi tê-lo pronto hoje. Se fizesse mais uma hora de trabalho, poderia terminá-lo e entregá-lo quando fosse para aí”
Fiz um sinal para a Sra. Jones, parada de chapéu e casaco, para que esperasse, pus o telefone, discretamente, sobre a mesa, em vez de pendurá-lo no gancho, e tirei do bolso as três meias coroas. “Muito obrigado, Sra. Jones. Até pra semana, não é?” Com o telefone assim, ninguém poderia telefonar-me enquanto eu estivesse fora do apartamento. Não tinha medo que alguém me procurasse pessoalmente. Tanto Peter como eu tínhamos treinado nossos amigos, e cada um treinado o outro, a não nos interromper durante o dia.
A Sra. Jones trouxera os nossos sapatos do sapateiro. Sabiaque ela poria os de Peter no armário do lado de fora da porta sem incomodá-lo. Tínhamos treinado igualmente bem a Sra. Jones. Saí, agarrei-os e calcei-os. Estavam um pouco apertados, mas dava para usar. Pus um par de sapatos meus nos bolsos de minha capa, não podia ser encontrado com os de Peter calçados.
Algum tempo antes, a tia anunciara de repente que nós dois deveríamos deixar de fumar Eu não tinha a menor intenção de deixar de fumar por causa dela ou de qualquer outra pessoa, mas naturalmente dei-lhe minha palavra. O mesmo não fez o honesto Peter. “Não dá, tia Ellen”, disse ele. “Eu poderia prometer até ficar com o rosto roxo, mas sei que nunca cumpriria… no momento em que a senhora virasse as costas, eu já estaria a fumar como uma chaminé…. sei que estaria” .
Ela olhou para ele, depois olhou para mim. Olhou para mim durante muito tempo, como se esperasse que eu dissesse alguma coisa, mas até hoje não sei o quê— a Depois, de repente, houve uma de suas reviravoltas, e ela estava riu-se.
Desde então, sempre que íamos vê-la, a casa estava cheia de horríveis cinzeirinhos e de piadas no sentido de que cinzas faziam bem para os tapetes, até eu sentir quase vontade de gritar.
Lembro-me de ter pensado: Ele poderia escapar impune homicídio! Causou-me uma espécie de prazer selvagem a ideia de que ele ia tentar. Não que eu tenha alguma coisa contra ele… é um tipo bom, realmente capaz de fazer qualquer coisa pelos outros, embora toda aquela maldita honestidade irrite um pouco.
O dia em que fomos lá juntos, trouxe um dos cinzeiros. Havia tantos, que não seria notada a falta de um. Embrulhei-o num lenço, juntamente com cinzas de cigarros de Peter, pontas de cigarros de Peter e impressões digitais de Peter. Naturalmente, não haveria cinzeiro usado por mim. Eu já não fumava… pelo menos na casa de tia Ellen.
Enchi o cinzeiro com as pontas de dois cigarros que ele fumara no meu quarto, à hora do almoço daquele dia e com um pouco de cinza fresca. As impressões digitais, é claro, conservei-as cuidadosamente. Embrulhei tudo de novo num lenço e guardei no bolso de minha capa. Vesti a capa e pus um chapéu mole e um par de luvas. Estava bastante frio lá fora para justificar isso. Tacteei os bolsos para ver se meus sapatos estavam lá. Depois sentei-me deliberadamente numa poltrona e pensei em tudo, minúcia por minúcia.
Peter ou eu. A isso se reduzia tudo: Peter ou eu. O mesmo motivo — a necessidade de dinheiro. Ele a trabalhar no seu apartamento, eu no meu. Nenhum de nós com prova — ele sem telefone, eu com o meu, acidentalmente, desligado
Nenhum de nós atendendo à campainha. A mesma falta de álibi — ninguém capaz de provar que qualquer um de nós positivamente não saíra do apartamento. Peter e eu — nada que permitisse escolher, entre os dois, como suspeitos do homicídio de nossa rica tia Ellen. Mas pegadas encontradas- no jardim talvez fossem identificadas como dele e impressões digitais encontradas num cinzeiro recém-usado seriam muito seguramente identificadas como dele. E meu álibi para a hora do crime.
A Tia Ellen ficou surpreendida por ter chegado tão cedo — vinte para as cinco. Disse que não tinha parado para entregar o conto, que ainda o tinha no envelope debaixo do braço. Ela entrou na sala de visitas. Pedi licença e subi a escada ainda com as luvas nas mãos. Procurei o velho revólver do querido e saudoso tio George — ela conservava-o no patamar da escada, carregado e preparado para enfrentar ladrões — era uma velha corajosa. Depois voltei até a sala de visitas e alvejei-a entre os olhos.
A minha cabeça ficou um pouco nebulosa. Deixei a arma cair ao lado dela e lembro-me de ter feito uma espécie de movimento e ter-me sentido satisfeito por não haver sangue em mim.
A cabeça clareou. Tirei o cinzeiro, coloquei-o sobre a mesa e coloquei as pontas dos cigarros de Peter, da mesma forma como ele apaga os cigarros — afinal de contas, ele próprio os fumara. Tirei o telefone do gancho e deixei-o pendurado. Preparei uma bela pegada no canteiro de rosas ao lado da janela quando saí. Desci até o rio, calcei os meus próprios sapatos, enchi de pedras os de Peter e atirei-os para a água. Procurei novamente sangue, mas nada havia. Caminhei rapidamente até a redação da Tulipa Negra. O editor de ficção pareceu bem menos do que encantado quando lhe entreguei o conto.
— Você prometeu me um?
— Bem, eu gosto deste — disse eu. — Suei sangue para terminá-lo a tempo de sair no próximo número da revista e ainda por cima atrasei-me para o chá com minha tia Ellen.
Agarrei o telefone da mesa do editor.
— Vou dar-lhe uma telefonadela, se não se importa. Sou capaz de perder minha herança se simplesmente aparecer dizendo: “Desculpe ter chegado atrasado, velha”. — Está bem — disse ele, voltando a seu trabalho. — Esteja à vontade…
Marquei o número de Pam… não se pode descobrir os números marcados no nosso sistema de telefones. Ela deu-me o sinal de que tudo estava bem do seu lado e que eu podia começar.
— Tia Ellen? — disse eu.
Ela interpretou devidamente e devo dizer que me deixou orgulhoso.
— Não consigo entender — disse eu. — É minha tia Ellen. Alguma coisa a respeito… alguém a descer a escada ou coisa semelhante. Alguma coisa a respeito de um… revólver?
Segurei o telefone de modo que ele também pudesse ouvir na outra ponta da linha, ao ouvir a palavra “revólver”, Pam atirou um livro no chão produzindo um estouro e soltou uma espécie de grito interrompido, muito eficiente…


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