15 de dezembro de 2012

CALEIDOSCÓPIO 350

Efemérides 15 de Dezembro
Donald Goines (1937 - 1974)
Nasce em Detroit, Michigan, EUA. Escritor afro-americano é caracterizado como um “autor de romances policiários genuínos de Black-Guetto”. A sua vida pessoal está envolvida no mundo do crime: cresce sem problemas, alista-se no exército aos 14 anos — falsifica a certidão de nascimento. Presta serviço entre 1952 e 1955, e é durante este período que se torna dependente de heroína. Seguem-se 15 anos de contrabando, roubo, lenocínio e prisão. Na década de 60 começa por escrever westerns, enquanto está detido, mas sem sucesso. Mais tarde publica um livro autobiográfico e dedica-se à ficção policiária. Em meia dúzia de anos publica 11 romances, sob o seu nome e 15 livros da série Kenyatta, sob o pseudónimo Al C. Clark. Vários dos seus romances foram adaptados ao cinema. Donald Goines — com 37 anos — e a mulher têm uma morte tão violenta como os romances do escritor: são abatidos a tiro, na sua casa em Detroit em circunstâncias nunca esclarecidas.


TEMA — ESTUDOS DE LITERATURA POLICIÁRIA — VIOLÊNCIA E NOVELA NEGRA
No texto que se segue — todas as palavras são unicamente dele, alteramos apenas a ordem — ressalta o pensamento de um grande Amigo e grande Mestre: Ross Pynn. É pois com imenso gosto e orgulho que apresentamos a sua opinião sobre a novela negra, de que era fervoroso adepto e praticante activo, ao contrário de mim, um dos “velhos do Restelo” que ainda acredita e defende o clássico caso-enigma, que procura resistir com lógica e raciocínio e não o poder dos punhos ou a mira de uma arma.
M. Constantino

Quando se pretende definir a violência na Literatura Policial, actualmente, recorre-se a diversas denominações, entre as quais avultam três: “Mascara Negra”, “Romance Negro” e “Verismo”. A primeira teve a sua origem na revista norte-americana “Black Mask”, na qual apareceram os primeiros contos de Dashiell Hammett, por isso mesmo considerados como aqueles que iniciaram esta escola; a segunda surgiu na Europa, logo a seguir a última Guerra, com laivos de Existencialismo, produto-de uma vida perturbada; a terceira, não é mais do que o termo académico para esta corrente literária — uma corrente estruturada na realidade do homem e do seu mundo.
Seja, porém, qual for a denominação utilizada, o que não oferece dúvidas é que a violência é um “facto” da nossa época — “a única grande realidade da nossa época”, — como afirmou Camus — e não admira que a-Literatura Policial se tivesse acolhido à sua sombra para evoluir do chamado “romance-enigma”. Acentue-se que, em boa verdade, por essa altura, o “romance-enigma” atingia a fronteira da saturação com o aparecimento em Inglaterra dos chamados “romances enigmas em “dossiers”, onde o cansaço pelo género levava alguns autores, no desejo de despertar novos leitores, a apresentar romances policiais em autênticos “dossiers”, preenchidos por toda a gama de documentação inerente a uma investigação (relatórios legais). Quando o “romance-enigma” atingiu este exagero, como afirmou Yves Barrault, crítico francês, “o enterro estava feito à Literatura Policial; se nada aparecesse que lhe restituísse a vida, passaria a ser apenas uma saudade para os leitores mais fiéis”. Edgar Allan. Poe, Chesterton, S. S. Van Dine, Dorothy Sayers, todos atraiçoados! A sua escola — a sua grande e poderosa escola que marcara toda uma época e impusera uma literatura — não encontrava continuidade. A desculpai era: “eles disseram e fizeram tudo”. Quem procurasse originalidade, não tinha por onde escolher. Restava procurar outro caminho. Esse caminho foi espontâneo, consequência da guerra, e levou ao Homem Natural, o Homem tal como ele se apresentava no pós-guerra, integrado na realidade que o envolvia. O mundo era outro, e o caminho escolhido não era fácil. O leitor que vinha da guerra, da qual se salvara sem saber porquê, não queria entretenimentos menores. Exigia o mundo que pisava, mesmo por distracção. Explodiam filosofias pelos cafés, tomavam vulto correntes literárias, cresciam escritores pouco lidos até aí. Falava-se de Hemingway, Faulkner, Steinbeck, e as suas obras eram procuradas pela realidade desventrada que transmitiam. E no mesmo firmamento surgiram então os sóis da Literatura Graham Greene Ramon Runyon, Dashiell Hammett, Raymond Chandler, e satélites de menor envergadura.
A Literatura Policial deixou de ser um jogo, um entretenimento meramente dedutivo, e passou a ter nervos, veias, sangue. Era viva, palpitante, possuía calor, exigia ao autor mais e mais. Abriam-se agora novos ritmos a uma Literatura em vias de expirar. Quebrava-se o “sub” que arrastava como grilheta. Novos campos humanos e sociais estavam ao seu alcance. Elevava-se acima de si própria, e sem deixar de constituir o entretenimento desejado — mas um entretenimento adulto e mentalizado — recordava com um sorriso Hitler e Mussolini, esses magos da sugestão, que haviam proibido nos seus países a circulação de romances policiais… Mais traziam consciência dissecavam, mostravam e criticavam.
“Máscara Negra”, “Romance Negro”, “Verismo”, é a literatura policial do leitor de hoje. É a sua, tal como o pai e o avô tiveram a deles. Mas esta não será definitiva. Aqueles que a escrevem sabem, que não o fazem para a posteridade. Ficarão pelo caminho. Outro género surgirá. Qual? Não será ditado pelos homens, mas pela vida do seu tempo. Desses será o futuro.



TEMA — CONTO POLICIÁRIO DE VIOLÊNCIA DE EDMUND CRISPIN — A LAPISEIRA
Edmund Crispin nas Efemérides do CALEIDOSCÓPIO 276 (Clicar)

Não foi senão na terceira noite que eles procuraram Eliot.
Ele esperava-os mais cedo e, à sua maneira fria e distante, ficara ressentido e cada vez mais impaciente com a demora — pois embora os seus gostos nunca tivessem sido luxuosos, o miserável quarto que alugara na casa de Clerkenwell aborrecia-o. Agora, ouvindo impassível o ranger dos passos furtivos na escada, olhou para o relógio de pulso e fez certos ajustes necessários no objecto que trazia escondido. Depois, muito deliberadamente, virou a cadeira de modo a ficar com as costas voltadas para a porta.
O seu tardio salto em direção ao revólver, depois de eles se aproximarem por trás, foi tão convincente que fez um deles arquejar antes que imobilizassem os seus braços, apertando inexperientemente o cano de uma arma contra a sua nuca. Meliantes baratos, pensou Eliot desdenhosamente, enquanto simulava uma luta.
Por fim arrastaram-no para o carro que se encontrava à espera.

Só uma vez Eliot matara por conta própria — e fora nessa vez que quase o tinham apanhado, Não pretendia repetir o erro.
O grande carro movia-se macio e silencioso. Finalmente parou ao lado de uma grande bomba, esbranquiçada pelo luar, e as cortinas foram baixadas. Amordaçaram Eliot, vendaram-no e amarraram-lhe as mãos atrás das costas. Quando o viram submisso, a confiança deles cresceu perceptivelmente. Entre eles e a bando de Addison, reflectiu Eliot enquanto o carro se punha de novo em movimento, havia pouco ou nada a escolher: meliantes baratos todos eles, pequenos ladrões de armazéns cujas esferas de operação por acaso haviam colidido. Era por isso que estava ali.
Não fez a menor tentativa para gravar mentalmente o percurso do carro. Não lhe tinham pedido para fazer isso — e o grau de mérito de Eliot como assassino mercenário não era sentir curiosidade, nunca ir além da sua incumbência. Recostando-se no banco, reconsiderou as instruções, enquanto o carro corria através da noite de Londres.
— O pessoal de Holden está a ficar uma praga — dissera Addison… Addison, o jovem chefe. Mas se Holden morrer eles cairão em pedaços. Esse é seu serviço… matar Holden.
Eliot respondera apenas com um movimento de cabeça.
— Mas o problema — acrescentou Addison — é que não conseguimos descobrir Holden. Não sabemos onde é seu esconderijo. A minha ideia é fazer de si o isco. — Sorrindo, acrescentara — isco envenenado.
Depois passara a explicar que Eliot deveria ser apresentado como um novo e vacilante recruta da quadrilha de Addison. Eliot devia possuir informações que Holden se esforçaria muito para obter… a qualquer preço sem dúvida. Eles deveriam cair.
E, a julgar pela sua presente situação, haviam caído…
Pareceu uma longa viagem. Por isso, qualquer que fosse o trajecto, certamente não era o mais directo.
Finalmente chegaram. Eliot foi empurrado escada acima e para dentro de um quarto, onde o atiraram rudemente para uma cama. Uma cama, pensou ele: óptimo
Deixou que o golpeassem algumas vezes antes de falar: a infância acostumara-o à dor física e ele estava a ser bem pago. Depois contou-lhes o que eles desejavam saber — a história que Addison lhe dera, a história que continha verdade suficiente para ser convincente. Eliot encontrou prazer na representação: era bom nisso.
Em qualquer caso, Holden — a julgar pela sua voz era um idoso e nervoso Cockney — parecia satisfeito. E Holden era o único deles que importava… Eliot sabia que dentro de pouco tempo a polícia apanharia Holden e Addison também, de modo que sua pequena briga pelos melhores despojos acabaria.
E ali estava finalmente a oferta esperada, inevitável. Sim, está bem, disse Eliot maciamente depois de alguns momentos de aparente hesitação, não se recusaria a ser espião deles desde que lhe pagassem o suficiente.
Sim, iam deixá-lo sair. Não há dúvida, pensou Eliot. E delicadamente, enquanto estava deitado de costas na cama, os seus dedos moveram-se por baixo da bainha do seu casaco, de modo que, fora da vista de seus interrogadores, uma coisa fina e lisa rolou para o meio das roupas de cama.
Mudou ligeiramente a posição, empurrando o objecto até o limite que permitia a corda em volta de seus pulsos para baixo do travesseiro. Era uma coisinha boa e Eliot sentia perdê-la: na aparência, nada mais do que uma lapiseira comum, mas com uma espoleta de acção retardada no interior e uma potente carga explosiva. Addison dissera-lhe que era um dos numerosos objetos de aparência inocente fornecidos aos sabotadores franceses durante a ocupação, para serem depositados em cima das mesas de comandantes militares alemães ou em outros lugares igualmente estratégicos. E Eliot, que não tinha o menor interesse por guerra, mas estava interessado em qualquer arma destruidora, apreciara suas potencialidades. Como meio de assassínio era inseguro, naturalmente: aquilo poderia matar Holden ou, por outro lado, poderia matar uma mulher de limpeza que estivesse a fazer a cama.
Mas isso não era da conta de Eliot. Estava a fazer o que lhe tinham mandado fazer e, desse resultado ou não, iria receber.
A viagem de volta foi igual à primeira.
Finalmente, Eliot chegou a casa sob a luz cinzenta da madrugada, observando o carro de Holden que se afastava velozmente.
Examinou no espelho o rosto magoado sem ressentimento e num impulso começou a arrumar suas coisas para partir. Depois, repentinamente cansado, deitou-se na cama e adormeceu.
A lapiseira estava regulada para explodir às oito horas.
Faltava um quarto para as oito quando Eliot acordou. A luz entrava em profusão no quarto.
Estava a mudar de lugar os travesseiros, a fim de deixar mais espaço na cama para colocar em cima a sua velha mala, quando e relógio de St. John tocou as horas.
E foi então que viu a lapiseira.
Por um segundo, fitou-a com absoluta incompreensão. Depois veio a compreensão. Naturalmente, pensou Eliot
Eles não se arriscariam a revelar o segredo de seu precioso esconderijo. Fora para ali que o haviam levado, depois de dar voltas e voltas pelas ruas. Fora ali que o haviam interrogado…. Ali no seu próprio quarto!
O pânico dominou-o. Correu. Da beira da cama até a porta não havia mais de três passos de distância.
Mas a explosão apanhou-o e matou-o antes que os seus dedos tocassem o trinco da porta.

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