4 de setembro de 2012

CALEIDOSCÓPIO 248

Efemérides 4 de Setembro
Cyril Hare (1900 – 1958)
Alfred Alexander Gordon Clark nasce em Mickleham, Surrey, Inglaterra. Advogado e juiz, é também escritor de livros policiários sob o pseudónimo de Cyril Hare. Cria a série Inspector Mallett — com 3 títulos, a série do advogado Francis Pettigrew, também com 3 títulos publicados; escreve ainda 2 romances onde junta estes dois personagens, 1 livro de contos mistério / detective, 2 romances policiários e uma peça de teatro. Em Portugal é possível encontrar o registo das seguintes edições:
1 – A Morte Do Financeiro (1964), Nº12 Colecção Policial Nova Série, Empresa Nacional de Publicidade. Título Original: Tenant For Death (1937). É o 1º livro da série Inspector Mallett.
2 – Tragédia No Tribunal (1982), Nº3 Colecção Clube do Crime, Publicações Europa América. Título Original: Tragedy At Law (1942). É o 1º livro de Inspector Mallett e Francis Pettigrew.



TEMA — SERÁ QUE O MUNDO VAI ACABAR? COMO? — TRADIÇÕES (2)
Na terra de Esfinge, em coincidência espantosa com as profecias do Apocalipse, na previsão de um fim do mundo resultante de “terramotos e erupções dos quais nenhuma nação escapará”, têm sido apontadas na interpretação da Grande Pirâmide Quéops.
Construída antes do Dilúvio e tendo a ele resistido, está implantada no ponto zero do planeta, divide ao meio as terras e as águas e por ele passam os eixos norte-sul e este-oeste, tudo parecendo indicar que não foi construída por acaso e apenas com o fim de abrigar faraós mortos como as suas irmãs.
Vista do espaço é um quadrado inscrito num círculo; os seus quatro lados alinham com os pontos cardeais; cada um destes está representado por três signos do zodíaco, correspondendo a cada um trinta graus da circunferência. Possui, de resto, tantas revelações nos seus corredores, que é coerente a designação corrente de “livro da pedra que permanece”.
Segundo uma história do antigo Egipto, escrita por um historiador copta medieval, Quéops e uma outra, Quéfren, teriam sido mandadas construir após um sonho profético do rei Surid, em face do qual “o céu e as estrelas cairiam sobre a Terra”.
Os intérpretes de sonhos preveniram que “viria uma grande inundação, acompanhada por um fogo da constelação Leão que incendiaria o mundo”. Surid ordenara a construção das pirâmides para que neles fossem registadas todas as ciências e conhecimentos das estrelas, matemáticas e geometria, como testemunho futuro dos seus conhecimentos.
Os estudiosos da grande pirâmide dizem nela encontrar coincidências com o apocalipse anunciado por S. João; garantem que o período preconizado pelos egípcios para o fim do mundo, se situa entre os anos 2001 e 2090. Para S. João, o ciclo do homem terminará na Era do Aquário, as previsões piramidais, que abrangem um período que começa numa data equivalente a 22 de Setembro de 4000 a.C.,termina em 17 do mesmo mês, do ano 2000 d.C. - o fim do sexto milénio.
Note-se a curiosidade da profecia de Nostradamus, profeta do Século XVI:
“No ano de 1999,em Setembro,
virá do céu um grande rei terror…”

A tradição dos Astecas e dos Hopi são concordantes. Árabes, chineses e judeus, possuidores noutros tempos de calendários diferentes dos nossos são concordantes quanto ao cataclismo final. Igualmente a tradição hindu aponta para o aniquilamento da raça humana no ciclo que decorre até ao ano 2000.

Na prática zodiacal, a ascendência de um novo signo, mais ou menos em cada 2 000 anos provoca sempre catástrofes enormes, tais como o afundamento da Atlântida que ter-se-ia registado na passagem do ciclo do Leão para o Caranguejo.


TEMA — CONTO DE TERROR — CINCO MIL MORTES
De Guillaume Apollinaire
— Tenho de me pentear sempre com muito cuidado Senão, nota-se esta maldita cicatriz lívida e tão visível que tenho no couro cabeludo, que dá a impressão de ser calvo. A cicatriz não é nova. Data da época em que fui fundador de uma cidade. Foi isso aí há uns quinze anos e passou-se na Colúmbia Britânica, no Canadá — Cox-City! Uma cidade de cinco mil almas. Vinha-lhe o nome de Cox… Chislam Cox… um homem meio-cientista, meio-aventureiro. Havia provocado rush naquelas bandas, ainda virgens, das Montanhas Rochosas, onde hoje se situa Cox-City.
Os mineiros tinham sido recrutados um pouco por todo o lado: no Quebeque, em Manitoba, em Nova Iorque. Foi nesta cidade que dei com Chislam Cox. Encontrava-me ali havia uns seis meses. De resto, devo confessar que não ganhava ali nem um tostão e sentia um tédio de morte.
Não vivia só, mas sim com uma alemã bastante bonita, cujos encantos tinham o seu sucesso. Tínhamo-nos conhecido em Hamburgo. E tornara-me seu manager, se assim me posso expressar. Chamava-se Marie-Sybille ou Marizibill, para falarmos como se fala em Colónia, sua cidade natal.
Deverei dizer que ela me amava loucamente? Pela parte que me cabe não era nada ciumento. Mas a vida preguiçosa que levava era para mim mais pesada do que poderia imaginar. Não tenho feito para chulo. Mas era sempre em vão que procurava alguma coisa onde empregar os meus talentos.
Certo dia, no saloon, lá me deixei levar por Chislam Cox, que em voz alta, encostado ao bar, exortava os consumidores a seguirem até à Colúmbia britânica. Sabia de um sítio onde abundava o ouro.
No seu discurso misturavam-se Cristo, Darwin, a Banca de Inglaterra e, diabos me levem se sei porquê, a papisa Joana. Não deixava de ser convincente, o Chislam Cox. Lá me alistei no grupo em companhia de Marizibill, que me não queria deixar, e partimos.
Não levava comigo qualquer ferramenta de mineiro, mas tão somente materiais de bar e desvairados álcoois, whisky, gin, rum, etc., bem como cobertores e balanças de precisão.
A viagem foi um tanto custosa, mas assim que chegámos aonde Chislam Cox nos queria levar, construímos uma cidade de madeira que foi baptizada com o nome de Cox-City, em honra de quem nos comandava. Inaugurei a minha venda de bebidas, que depressa começou a ser muito frequentada. O ouro era efectivamente abundante e eu pessoalmente fazia um autêntico negócio da China. Uma boa parte dos mineiros eram franceses ou canadianos franceses. Havia também alemães e indivíduos de língua inglesa. Mas predominava o elemento francês. Mais tarde recebemos elementos mestiços de Minitoba e um grande número de piemonteses. Chegaram também chineses. De tal modo que, passados alguns meses, Cox City contava com mais de cinco mil habitantes, os quais possuíam uma escassa dezena de mulheres.
Conseguira portanto uma situação invejável nesta cidade cosmopolita. O meu saloon estava cada vez mais florescente. Baptizara-o com o nome de Café de Paris, um título que lisonjeava todos os habitantes de Cox City.
Começaram a fazer-se sentir os grandes frios. Era terrível. Cinquenta graus abaixo de zero é uma temperatura deplorável. Foi com terror que constatámos que Cox-City não continha alimentos suficientes para passarmos o Inverno. Não eram possíveis as comunicações com o resto do mundo. A perspectiva era a morte a aproximar-se. Os víveres não tardaram a ficar esgotados e Chislam Cox mandou afixar uma proclamação emocionante onde nos dava a conhecer todo o horror da nossa situação.
Pedia-nos perdão por nos ter trazido para a morte e, mau grado o seu desespero, achava ainda maneira de falar de Herbert Spencer e do falso Smerdis. A parte final do edital era qualquer coisa de aterrador. Cox convidava a população a reunir-se, no dia seguinte de manhã, na praça que tínhamos tido o cuidado de erigir ao centro da cidade. Toda a gente devia levar um revólver e suicidar-se depois de dado o sinal, assim escapando todos aos pavores do frio e da fome.
Não houve protestos. A solução foi aceite como muito elegante e a própria Marizibill, em vez de se pôr aos soluços, disse-me que se sentia muito feliz por morrer comigo. Fizemos distribuição de todo o álcool que nos restava. No dia seguinte de manhã lá fomos, de braço dado, para a praça mortuária.
Nem que vivesse cem mil anos, jamais esqueceria o espectáculo desta multidão de cinco mil pessoas, todas enroupadas em casacos e cobertores. Toda a gente tinha na mão um revólver e todos os dentes estalavam… juro-vos que estalavam, sim!... Juro!
Chislam Cox erguia-se num plano superior ao de todos nós, em cima de um tonel. De súbito levou o revólver à fronte. Soou o tiro. Era o sinal e, ao mesmo tempo que Chisiam Cox caía do seu tonel, morto, todos os habitantes de Cox-City, incluindo eu próprio, estoiravam com os miolos… Que terrível recordação! Que tema de meditação, esta da unanimidade no suicídio! Mas que frio terrível estava!
Eu não morrera, estava apenas um tanto estonteado, não tardei a levantar-me. Um ferimento, ou talvez antes uma esfoladela que me causava dores horríveis, e cuja cicatriz me deixa assinalado até ao fim dos meus dias, era a única coisa que me recordava o facto de me ter tentado suicidar. Mas seria que eu estava só?
Não tive qualquer resposta. De olhos esbugalhados, tiritando de frio, ali fiquei imenso tempo pasmado a olhar para aqueles mortos, cerca de cinco mil, todos com uma ferida voluntária na fronte.
Senti depois uma terrível fome que me torturava o estômago. Os víveres tinham-se esgotado. Nada encontrei nas casas que espiolhei. Desnorteado e vacilante, atirei-me a um cadáver e devorei-lhe a cara. A carne estava ainda morna. Comi até me fartar, sem sentir quaisquer remorsos. Pus-me depois a passear pela necrópole, pensando nos meios para dela fugir. Armei-me, tapei-me bem, carreguei-me com todo o ouro que pude achar. Seguidamente comecei a pensar na comida. O corpo das mulheres tem mais banha, a carne é mais tenra. Procurei uma e cortei-lhe ambas as pernas. Este trabalho levou-me mais de duas horas. Mas fiquei senhor de dois pedaçoos que, por meio de duas correias, pendurei ao pescoço. Percebi nessa altura que o que cortara tinham sido as pernas de Marizibill. Mas a minha alma de antropófago pouco se emocionou. O que eu tinha era pressa de me ir embora. Pus-me a andar e, por milagre, acabei por me reunir a um acampamento de lenhadores, exactamente no dia em que se me tinham esgotado as provisões.
O ferimento da cabeça não tardou a sarar. Mas a cicatriz que oculto com todo o cuidado está sempre a trazer-me à lembrança Cox-City, a necrópole boreal, e os seus enregelados habitantes a quem o frio conserva no mesmo estado em que ficaram ao cair, armados e feridos, de olhos abertos, com os bolsos cheios do inútil ouro por que morreram.

Sem comentários:

Enviar um comentário