16 de agosto de 2012

CALEIDOSCÓPIO 229

Efemérides 16 de Agosto
Georgette Heyer (1902 - 1974)
Nasce em Wimbledon, Londres. Publica o seu primeiro romance apenas com 19 anos de idade e continua a escrever durante mais de 50 anos. Especialista em romance histórico é também uma das primeiras escritoras de mistério, num grupo que inclui Agatha Christie, Dorothy L Sayers e Ngaio Marsh. Destacam-se na sua obra policiária as séries Superintendent Hannasyde e Inspector Hemingway e ainda os thrillers Footsteps In The Dark (1932), Why Shoot A Butler? (1933), The Unfinished Clue (1934) e Penhallow (1942).

D. M. Devine (1920 – 1980) (1961),
David McDonald Devine nasce na Escócia. Escreve 6 romances policiários como D. M. Devine: My Brother's Killer (1961), Doctors Also Die (1962), The Roynston Affair (1964), His Own Appointed Day(1965),  The Devil At Your Elbow(1966),  The Fifth Cord (1967). Sob o pseudónimo Dominic Devine escreve 7 livros : The Sleeping Tiger(1968), Death Is My Bridegroom (1960),Illegal Tender (1970), Dead Trouble (1971), Three Green Bottles(1972), Sunk Without Trace (1978),This Is Your Death(1981).

Anthony Price (1928)
Alan Anthony Price nasce em Hertfordshire, Inglaterra. Jornalista e editor do jornal Oxford Times durante 16 anos, é também autor de 19 romances de espionagem protagonizados pelo Dr. David Audley. Premiado em 1971 com o Silver Dagger Award atribuído a The Labyrinth Makers (1970), em 1975 recebe o Gold Dagger Award por Other Paths To Glory (1974), que recebe também em 1978 o prémio sueco da Academia de Escritores de Crime, a Svenska Deckarakademin.
Em Portugal estão publicados:
1 - Xeque-Mate, Um Jogo De Aparências (1987), Nº54 Colecção Livros de Bolso, Série Guerra e Espionagem, Publicações Europa-América. Título Original: The Labyrinth Makers (1970). É o 1º livro da série Dr. David Audley.
2 - Xeque-Mate, A Seita Assassina (1988), Nº55 Colecção Livros de Bolso, Série Guerra e Espionagem, Publicações Europa-América. Título Original: The Alamut Amlush (1971). É o 2º livro da série Dr. David Audley.
3 - Xeque-Mate, Emboscada Fatal (1988), Nº56 Colecção Livros de Bolso, Série Guerra e Espionagem, Publicações Europa-América. Título Original: Colonel Butler's Wolf (1972). É o 3º livro da série Dr. David Audley.
4 - O Nosso Homem Em Camelot (1989), Nº61 Colecção Livros de Bolso, Série Guerra e Espionagem, Publicações Europa-América. Título Original: Our Man In Camelot (1975). É o 6º livro da série Dr. David Audley.



TEMA — ESTUDOS DE LITERATURA POLICIÁRIA — O CRIME NA FICÇÃO E NA IMPRENSA
Fomos encontrar num número da revista “Vida Mundial Ilustrada”, dos anos 50 do século recém passado, uma entrevista sobre o título supra, da qual desconhecemos o autor (repórter). Releva o facto de incidir sobre uma parte do mundo, então pouco conhecido — e ainda o é , embora menos — bem como da sua cultura, designadamente a policiária
M. Constantino

Estes elementos foram reunidos pelo conselheiro de Estado Georgi Kocharov, numa entrevista com um repórter “Literarturnaia Gazeta”.
Kocharov — É de assinalar que há três pessoas presentes nesta entrevista: dois jornalistas e só um advogado. Tenho na algibeira o meu cartão de advogado assim como o de membro da União dos Jornalistas. Penso que não devíamos aproveitar-nos da vantagem numérica dos jornalistas mas antes dar ao único advogado presente a oportunidade de, na medida do possível, apresentar as suas opiniões
Como jornalista sinto-me satisfeito ao verificar o interesse que os escritores mostram pelo problema do crime, do trabalho dos tribunais, procuradores, advogados e corpos encarregados da ordem pública. O jornalista recorda com gratidão a tradição de escritores como Tolstoi, Dostoievski, Korolenko, Tchekov, Andreiev, Gorki, e de jornalistas como Gilarovski e Doroshevich.
Repórter — E como advogado não se sente tão satisfeito, pois não?
Kocharov — Acho que não. Como advogado fui levado ao cepticismo. Dostoievski fez uso de elementos jurídicos para escrever “Os Irmãos Karamazov” e o “Crime e Castigo”. O mesmo aconteceu com Tolstoi no “Morto Vivo” e na “Ressurreição”. É difícil perceber porque é que os escritores, que dantes descreviam caracteres e conflitos, não fazem mais agora que procurar histórias nos tribunais. “Período de Experiência” e “Crueldade”, de Pavel Niline, “Um. Ano”, de Iuri Gherman e “O Livro Difícil”, de Grigori Medinski perdem-se num mar de caracteres despersonalizados e sentimentais de sargentos, tenentes e coronéis de milícia.
Repórter — Compreendo… mais uma crítica aos romances policiais que não gozam muito das suas simpatias.
Kocharov — De forma nenhuma. Gosto de romances policiais; são em parte responsáveis pela profissão que escolhi. Defendo os bons romances policiais. Mostram-nos o trabalho dos investigadores, coisa que por si mesma tem já muito valor. Defendem de forma convincente que a descoberta do criminoso é inevitável. Satisfazem de certo modo a necessidade que os jovens sentem de romance e aventura. São um excelente exercício para o espírito e de vez em quando proporcionam-nos momentos de distracção e repouso.
Os romances policiais são indispensáveis. Tal como milhões de leitores, discordo dos críticos que exigem que os escritores de romances policiais se transformem imediatamente em “prosadores sérios”. E porquê? Espero poder ler um dia uma interessante e edificante história de um Sherlock Holmes soviético.
É de lamentar que 90 por cento dos escritores interessados em julgamentos se importem só com o aspecto detectivesco dos problemas. Porque desprezarão tudo o resto — os conflitos, problemas e caracteres? Será isto uma atitude lógica?
Também os jornalistas encaram os processos jurídicos de forma muito limitada. Interessam-se muitas vezes pelas particularidades de um crime e já nem sequer pela história detectivesca. De um crime vulgar dificilmente se pode fazer um artigo mas o caso muda de figura se a vítima pertence à família do criminoso, se se trata da mulher, do pai, ou, pelo menos, de um tio, ou tia…
Repórter — Mas não há uma justificação para a publicação de descrições de crimes, mesmo dos mais invulgares? As informações sobre crimes têm o seu valor educativo.
Kocharov — Admito que as noticias d crimes, quando inteligentemente apresentadas, possam ter valor educativo. Mas, se um crime fora do vulgar é abordado num longo artigo em vez de numa breve reportagem do julgamento, deve satisfazer certas condições. Os arcaísmos do género de “no Mundo, encontram-se patifes de toda, a espécie” são inadequados. O escritor deve analisar cuidadosamente os acontecimentos, apontar os motivos do crime e tirar conclusões profundas. De outro modo, os longos artigos sobre assuntos deste tipo levarão inevitavelmente o público a saborear os pormenores sórdidos do crime e servirão mais para agradar aos espíritos acanhados que para objectivos educativos. Também dão origem a toda a espécie de boatos e “teorias”.
Afinal não é preciso provar que a União Soviética tem os seus criminosos e que o crime deve ser combatido. O que importa saber é a razão por que os crimes ocorrem entre nós e como nos podemos livrar deles.
As estatísticas judiciais são da maior importância. Saberão os jornalistas que 30 por cento dos crimes se cometem à vista de testemunhas? Por outras palavras, de três crimes, um podia talvez ser evitado.
Este facto, a que me referi no Clube dos Escritores durante uma discussão sobre o livro de Ivan Bodunov e Ievgeni Riss, “Notas dum Promotor de Justiça”, impressionou os circunstantes. Mas os escritores podiam ter aprendido isto e muitas coisas mais antes de eu fazer essa afirmação. Quarenta por cento dos crimes não são de forma nenhuma inesperados. Os criminosos em potência já tinham revelado as suas tendências mas nada de útil foi feito por eles.
Encaremos agora um problema mais específico. Entre seis casos, há um em que a vítima foi assassinada com uma espingarda de caça em circunstâncias completamente alheias à caca. Durante muito tempo insistimos para que as espingardas fossem só vendidas a membros da Associação dos Caçadores.
A relação entre o alcoolismo e crime merece especial atenção. Como jornalista, acho que a Imprensa se tem ocupado muito dele. Como advogado não ponho objecções mas gostaria de ver o assunto apresentado de forma diferente. Ao abordarem o problema, os jornalistas deixam-se levar pelos gostos do público e os factos são tratados superficialmente. Mas isto não é uma curiosidade. O alcoolismo tem de facto muitas relações com a criminalidade. Quase três quartos dos crimes são cometidos por indivíduos em estado de embriaguez.
O problema não é porém tão simples como parece. Se banirmos o alcoolismo não obteremos uma redução de 75 por cento nos crimes. Investigações sobre o assunto mostram-nos que não é o alcoolismo por si memo que leva ao crime, mas o alcoolismo combinado com a falta de educação.
Em mais de 50 por cento dos casos, os criminosos tem uma educação primária, 3,5 por cento são quase analfabetos, 7 por cento terminaram o ensino secundário, e só 0,7 por cento tinham educação universitária.
Resumindo: a embriaguez habitual, como diz um provérbio ocidental, não é fonte de vícios, fá-los simplesmente aparecer. O problema do crime da bebida é um aspecto do problema mais vasto do crime e nível cultural. Incidentalmente, a redução da semana de trabalho a cinco dias, tanto na indústria como nos escritórios, requer a atenção não só de economistas a sociólogos como igualmente de criminologistas. Se o problema dos tempos livres não for resolvido em todos as seus aspectos, podemos recear consequências indesejáveis.
Só me referi a algumas questões relacionadas com a supressão da criminalidade e a educação da nova geração na União Soviética. Os processos jurídicos fornecem aos escritores material para artigos sobre toda a espécie de problemas.
Repórter — Mas tanto autores como jornalistas não têm muito material à sua disposição. Os advogados e especialmente os investigadores só com relutância nos fornecem documentos.
Kocharov — Bem sei.
Repórter — Atribui esse factoà inércia ou à falta de consideração pela missão da Imprensa?
Kocharov — Isso é só um aspecto da história. Fundamentalmente os advogados procedem assim por uma questão de protecção.
Repórter — Mas a que estão a proteger?
Kocharov — A Justiça. Muitas vezes a publicidade é usada com fins sensacionalistas ou ainda pior. Há uns anos, jornal regional de Moscovo “Leninskaie Znamia” publicou um artigo em que discutia o caso de um chefe de estação F. e um assistente acusados de se deixarem subornar. Baseado no inquérito preliminar, saiu duas semanas antes do julgamento dando origem a ideias preconcebidas que influenciaram o tribunal.
Os jornalistas não aconselham os cirurgiões sobre as operações nem os engenheiros na construção de pontes. Porque tentam então tantos escritores ensinar os investigadores a conduzir as inquéritos e os juízes a proferir uma sentença? Se os jornalistas obedecerem a certas condições quanto às reportagens de julgamentos, não haverá problemas.
Repórter — Que condições?
Kocharov — Primeiro, não publicar quaisquer indícios que levem a conclusão da culpabilidade do acusado. Segundo, não procurar excitar os ânimos durante as audiências. Muitas vezes a reportagem de um julgamento parece uma acusação quando devia ser imparcial.
E uma última observação. Nenhuma informação sobre inquéritos preliminares devia ser tornada pública sem o consentimento dos investigadores. Isto é uma exigência legal. Acha as condições a aceitáveis?
Repórter — Penso que sim. Afinal 0õ senhor começou por me pedir que atendesse aos seus interesses como advogado a que receava não fosse concedido o tempo suficiente, mas, de nós três, foi o advogado quem mais falou.
Kocharov — Não pude evitá-lo. O advogado estava calado há muito tempo e tive de falar.


TEMA — CONTO POLICIÁRIO — O ASSALTO
De Olímpio Gonçalves
Os Órgãos de Comunicação Social não falaram noutra coisa. Televisão, rádio, jornais, durante vários dias martelaram a mesma tecla, aditando pormenores, forjando indícios, alardeando conhecimentos. Depois calaram-se.
Um assalto audacioso. Trinta mil contos de jóias levadas à luz do dia. Perseguição pelas ruas da Baixa lisboeta. Gritos. Tiros. Um dos assaltantes atingido. Do outro nem rasto…
Tornou-se a falar do assunto aquando no julgamento do assaltante capturado. 12 anos de prisão e uma ameaça velada contra o seu cúmplice. Mas deste nunca mais se ouviu falar.
Nem das jóias.
O tempo foi passando, passando…

Chico Saloio não parecia o mesmo.
Após o assalto, refugiara-se numa cabana mais ou menos isolada, perto de uma aldeiazinha no litoral Beirão. Para ali andou, sem contactos com ninguém, com excepção do Tio Belmiro, o velho pastor que ocupava o casebre mais próximo e que, habituado a um ermitério forçado, acolhera de braços abertos, como uma bênção a chegada de Chico Saloio.
Tornaram-se quase amigos. Que os tipos da laia do Chico não podem ter, verdadeiramente, amigos.
Chico Saloio, aguardara que o tempo enterrasse a memória das pessoas, que o assalto caísse nó esquecimento, para então se fartar de boa vida e regabofe com o produto do roubo.
Mas agora aquela carta lacónica, ameaçadora, dactilografada, que lhe aparecera debaixo da porta:
“Não escapas. As traições pagam-se…”
E o Chico, que se julgava a salvo, ficou como doido, sem saber o que fazer.
Correu então à cabana do velho pastor. Precisava desabafar com alguém, Sempre o recebera bem. Sempre o tratara com afabilidade. Era bom homem o Tio Belmiro.

Caminhavam, lado a lado, pela estreita vereda que serpenteava sobre as ribas sobranceiras à praia, o Chico Saloio falando aos solavancos, contando tudo, pedindo conselho.'
O Tio Belmiro ouvindo pacientemente, um lampejo de compreensão no olhar cansado.
Em baixo, as ondas esmagavam-se contra as rochas, num ribombar surdo e monótono.
O Chico Saloio continuava a falar, cabisbaixo, numa confissão total, que nunca julgara possível. Mas aquela ameaça incisiva, terrível, dera-lhe volta o miolo, E era uma língua de trapos o Chico Saloio.
O Tio Belmiro escutava sempre, uma pancadinha de consolação de vez em quando, um monossílabo de compreensão aqui e além…
Chico Saloio seguia adiante, que a vereda estreitara, aliviado com o desabafo.
O Tio Belmiro, um passo atrás, olhava o fundo das ribas, onde as ondas continuavam a desfazer-se em mantos de espuma.
Tudo era certo. Aguardara calmamente
As suas suspeitas tornaram-se certeza. Aquela carta sincopada despoletara o desabafo, a confissão completa. Sabia o que queria — o local onde se escondia o produto do assalto…
Um empurrão brusco. Um grito estridente. Um corpo que se esfacela nas rochas pontudas da falésia, logo envolvida pela espuma desfeita das vagas…
E sobre a vereda estreita, que serpenteava junto à falésia, caminhava agora um homem só, decidido, feliz — o Tio Belmiro.
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