31 de julho de 2012

CALEIDOSCÓPIO 213

Efemérides 31 de Julho
Brett Halliday (1904 – 1977)
Davis Dresser nasce em Chicago, Illinois, EUA. Escritor de vários géneros e diferentes pseudónimos — Anderson Wayne, Anthony Scott, Asa Baker, Don Davis, Hal Debrett, Kathryn Culver, Matthew Blood e Peter Field, assina a sua criação mais popular — Michael Shayne — como Brett Halliday. Shayne é um detective privado da linha dura ou hard-boiled, cuja série tem quase 70 títulos escritos pelo autor que atinge uma fama merecida. Mais tarde outros escritores deram continuidade a este personagem que tem tido diversas adaptações à rádio, televisão e cinema. Em Portugal é possível encontrar o registo dos seguintes livros do autor:
1 - Mike Shayne: Antologia Policial (1969), Distribuidora de Publicações. Título Original: Mike Shane Mystery Magazine (1900).
2 – Beleza Para Matar (1973), Nº318 Colecção Vampiro, Livros do Brasil. Título Original: Bodies Are Where You Find Them (1959). É o 5º livro da série Michael Shayne.
3 – Seis Segundos Para Matar (1973), Nº323 Colecção Vampiro, Livros do Brasil. Título Original: Six seconds To Kill (1970). É o 60º livro da série Michael Shayne.
4 – Chamada Imperiosa (1975), Nº172 Colecção Enigma, Editora Dêagá. Título Original: Caught Dead (1972). É o 64º livro da série Michael Shayne.
5 – O Crime É A Minha Profissão (1993), Nº139 Colecção Livros de Bolso, Série Clube do Crime, Publicações Europa-América. Título Original: Murder Is My Business (1945). É o 11º livro da série Michael Shayne.
6 – Atirar A Matar (1996), Nº159 Colecção Livros de Bolso, Série Clube do Crime, Publicações Europa-América. Título Original: Shoot To Kill (1964). É o 49º livro da série Michael Shayne.


TEMA — PERSONAGEM — MIKE SHAYNE
Um homem ruivo de pouco mais de 30 anos, de pernas longas e fortes, investigador privado em Miami, com farta clientela entre os ociosos milionários e financeiros cujas filhas e esposas contribuem para o núcleo fundamental do seu trabalho.
De facto o sexo feminino é a sua maior preocupação. Tem um matrimónio feliz até a altura em que a própria mulher é assassinada. A partir dessa altura, o cinismo e a violência estão sempre à flor da pele e Shayne, para esquecer, muda de residência e escritório para Nova Orleães e contrata Lucy Hamilton para secretária. O prestígio da sua acção constitui um êxito e, ainda que ao apaixonar-se por Lucy pareça mais humano, os seus procedimentos são típicos do período americano duro; notório o seu dinamismo ainda que brutal para capturar assassinos e corruptos.



TEMA — PEQUENOS GRANDES CONTOS DA LITERATURA UNIVERSAL — A CASA DE SONHO
De Brett Halliday (1885 – 1967)
Há cinco anos, quando estive bem doente, — disse ela — notei que sonhava a mesma coisa todas as noites. Eu passeava no campo e, ao longe, via uma casa branca, baixa e grande, no meio de um bosque de tílias. A esquerda da casa, um prado criado de álamos quebrava agradavelmente a simetria do cenário e os cimos dessas árvores, que se podiam ver de longe, oscilavam acima das tílias.
No sonho, eu era atraída pela casa e para ela me dirigia. Na entrada, havia um portão pintado de branco. Em seguida, tomava por um caminho de curvas graciosas, marginado de árvores, sob as quais havia flores primaveris, prímulas, pervincas e anêmonas, que murchavam no instante em que eu as colhia. O caminho terminou e vi-me a poucos passos da casa.
Em frente, havia um grande tabuleiro de relva, aparado como um relvado inglês, quase despido, mas com um extenso canteiro de fibras roxas, vermelhas e brancas, que produziam um efeito admirável naquele fundo verde. A casa, de pedra branca, tinha um grande telhado de ardósia azul. A porta, de carvalho claro com almofadas lavradas, ficava no alto de uma pequena escadaria. Eu tinha vontade de entrar na casa, mas ninguém me atendia. Extremamente desapontada, batia, gritava e, afinal, acordava.
Foi este sonho que se repetiu meses a fio, com tal precisão e fidelidade que cheguei a pensar que, com certeza, na infância, eu vira aquele parque e aquele castelo, Entretanto, quando acordada, não podia identificá-lo e a necessidade de o conseguir tornou-se numa obsessão tão forte que, durante um verão, tendo aprendido a guiar um pequeno carro, resolvi passar as férias nas estradas da França, a procura da casa do sonho.
Não falarei com minúcias das minhas viagens. Percorri a Normandia, a Touraine, o Poitou, mas nada encontrei. Em Outubro voltei a Paris e, durante todo o Inverno, continuei a sonhar com a casa branca.
Na primavera passada, continuei as minhas viagens pela região vizinha de Paris. Um dia, numa ladeira perto de Orleans, senti de repente um choque agradável, essa curiosa emoção que se experimenta quando se reconhecem, depois de uma longa ausência, pessoas ou lugares que se amavam. Embora nunca tivesse estado naquela região, reconheci perfeitamente o cenário que ficava à direita. Os cimos dos álamos coroavam um bosque de tílias. Através, da folhagem, ainda rala adivinhava-se uma casa.
Percebi, então, que encontrara o castelo dos meus sonhos. Naturalmente, sabia que, cem metros adiante, num caminho estreito, cortaria a estrada. Segui-o. Cheguei a um portão branco e vi o caminho que tantas vezes havia percorrido. Sob as árvores, admirei o macio tapete colorido formado pelas pervincas, as primulas e as anêmonas. Quando sai da sombra das tílias arqueadas, vi o relvado verde e a pequena escada, no alto da qual estava a porta de carvalho claro. Saltei do carro, subi rapidamente os degraus e toquei a campainha. Estava com receio de que não me atendessem, mas quase imediatamente um criado apareceu. Era um homem de fisionomia melancólica e muito velho, que vestia um casaco preto. Ao ver-me, mostrou surpresa e olhou atentamente, sem dizer coisa alguma.
— Desculpe, — disse eu — mas vou fazer um pedido um pouco estranho. Não conheço os proprietários desta casa, mas ficaria muito grata se me dessem permissão para percorrê-la.
— O castelo está para arrendar, Madame, — disse ele — e eu estou aqui para mostrá-lo.
— Para arrendar? Que sorte! Como é que os proprietários não moram nesta, propriedade encantadora?
— Os proprietários moravam aqui, Madame. Só se mudaram quando a casa ficou mal-assombrada.
— Mal-assombrada? Isso pouco me importa. Não sabia que aqui, no interior da França, ainda acreditavam em almas do outro mundo.
 — Eu também não acreditaria, Madame, — disse ele, muito sério — se não tivesse várias vezes encontrado no parque, à noite, o fantasma que afugentou meus patrões.
— Que história! — exclamei, tentando sorrir, mas estranhamente inquieta.
— A Madame é que não devia rir desta história, — disse o homem, com um ar de censura — porque o fantasma era a senhora.

30 de julho de 2012

CALEIDOSCÓPIO 212

Efemérides 30 de Julho
Mario Spezi (1945)
Nasce em Sant’Angelo in Vado, Itália. Jornalista, cronista, redactor da secção cultural do diário florentino La Nazione, é também um escritor reconhecido de crime real. O seu livro mais conhecido, traduzido em 22 linguas, é Dolci Colline Di Sangue (2009) escrito em colaboração com o escritor norte-americano Douglas Preston, um relato sobre uma série de assassinos atribuídos ao monstro de Florença. Este caso tem sido objecto de estudo e investigação por parte de Mario Spezi, que chega a ser detido durante 23 dias em 2006, acusado de impedir a investigação policial; os detalhes desta situação estão descritos pelo autor no livro Inviato In Galera (2007). Em Portugal O Monstro de Florença foi editado em Junho deste ano e já foi referido pelo Policiário de Bolso (Clicar)



TEMA — CONTO — O ESPELHO DOS SOUSA BORGES
De Repórter X
No Teatro Sá da Bandeira, no camarim onde hoje se veste esse aristocrata da cena que é Alexandre de Azevedo — aristocrata pela alma e pelo carácter porque se fosse pelo sangue não me interessava — existe um velho e enorme espelho que forra quase toda uma parede da pequena antecâmara. O cristal mancha-se aqui e além, pelas garatujas que o tempo fez no aço. Uma moldura grave, uma moldura sombria e despintada pelo uso — o enquadra
Sempre que eu via Alexandre de Azevedo enlaçar uma gravata ou ajustar uma cabeleira frente àquele espelho — sentia, sem confessar, o frisson subtil duma profanação. E sentia-o — na intuitiva certeza que aquele espelho era um espelho morto; um espelho-cadáver; um espelho que merecia há muito o repouso definitivo dos mortos — no cemitério das cousas inúteis.
Não me surpreendi, pois quando outro dia, um velho frequentador de palcos, cronista oral das histórias do passado, habitué da tertúlia dos camarins, revelou despreocupadamente enrolando um cigarro “superior”, a história do velho espelho.
— Tem mais de duzentos anos — essa relíquia… Esteve durante largo tempo V a meados do século passado — forrando a parede do velho Águia D’Ouro — café e hospedaria, cenário por onde os elencos do Camilo desfilaram vezes sem conta. Nas “Cenas Contemporâneas” — Camilo evoca-o — como um ex-libris do café de que ele era também frequentador. Mor de Perdição” e os do seu grupo não acertaram o laço e o chapéu de abas direitas na auto-emoção duma entrevista amorosa… Mas antes de ir para Águia D’Ouro — esse espelho pertenceu a uma família ilustre que teve nome repintado do sangue no romantismo febril do Porto: os Sousa Braga… Se esse espelho falasse — contaria o idílio trágico entre a escrava de um pai tirano e um pobre poeta que de noite invadia castamente a sua alcova de virgem… Se ele falasse — havia de nos comover descrevendo o calvário dessa pobre pequena morrendo, numa agonia longa e dolorosa sob as torturas com que castigavam a lealdade do seu coração apaixonado. Se ele falasse — diária que o sangue de um poeta, fuzilado à traição, lhe salpicou de púrpura o seu cristal.
Os Sousas Braga fugiram do Porto… O poeta desaparecera… Zumbiam murmúrios de acusação… Diziam que ele caíra numa cilada e que o cadáver fora enterrado no jardim do palacete, ali para as bandas do Campo… Assustados os Sousas Braga leiloaram a casa foram viver para os arredores de Viana. No leilão — o velho espelho, que conhecera faustos duma burguesia doirada e as angústias de um romance de amor — foi levado para o botequim. Como ele veio até aqui ignoro-o… Mas se ele falasse — que de artigos você não faria.
Não podia falar — o velho espelho — porque o velho espelho é um cadáver — e os cadáveres não falam. Mas naquela noite, sob o fluido da palestra macabra, tive a sensação arrepiante que a alma do velho espelho, fantasma feito de reflexos, me fitava, fixamente, sinistramente — através o cristal. Os meus olhos, reproduzidos no espelho, esgazeavam-se vendo-se a si próprios esgazeados. Os meus olhos assustavam-me.
Disfarcei, pedi um cigarro—e fugi do teatro…



TEMA — BREVE HISTÓRIA DA NARRATIVA POLICIÁRIA — 18
Continuação de CALEIDOSCÓPIO 188 (clicar)
“On Murder Considered as One of the Fine Arts” (1827), de Thomas de Quincey (1785-1859), obra considerada como a “poética do crime”, não é uma narrativa policial ou criminal na acepção do termo, antes um ensaio, o primeiro ensaio sobre o crime, já que o autor entende que a “prática e a teoria devem evoluir “paripassu” Por outro lado, justificando o provérbio que afirma “ser bem ruim vento aquele que sopra sem proveito de ninguém”, o autor passa à tese.

Todos sabem qual foi o primeiro crime de morte. Como inventor do homicídio, progenitor de tal arte, Caim deve ter sido um génio de primeira água. Aliás, todos os Cains são homens de génio. Tubal Caim inventou penso eu, as tubas, ou qualquer coisa no género. Mas, fosse qual fosse a originalidade e o génio do artista, todas as artes se encontravam então na infância, e essas obras devem ser criticadas tendo sempre em vista tal facto. Mesmo a obra de Tubal talvez não merecesse, hoje em dia, a mais pequena aprovação em Sheffield; e, quanto a Caim (falo em Caim Sénior) não significa menosprezo dizer que o seu trabalho não foi lá grande coisa. Milton, no entanto, parece ter pensado de maneira diferente. Pelo seu modo de relatar o caso, parece ter sido o seu crime favorito, de modo que lhe dá uns retoques, com nítida preocupação pelos efeitos pitorescos
Ao que se enfureceu; e, enquanto falavam,
Atingiu-o no peito com uma pedra,
Que lhe cortou a respiração: caiu, e, pálido de morte,
Foi-se-lhe a alma libertando com o sangue derramado
(Paraíso Perdido, L XI)
Tendo sido a arte criada há tantos séculos, é lamentável ver como ela se deixou adormecer, sem o menor progresso, durante anos e anos. De facto, serei agora forçado a passar por cima de todos os assassínios, sagrados ou profanos, como manifestamente indignos de notícia, até muito depois da era cristã.
A Grécia, mesmo na época de Péricles, não produziu um crime sequer digno de nota, ainda que de escasso mérito; e Roma foi de génio tão pouco original em qualquer das artes, para ter êxito naquela em que o seu próprio modelo fracassou. De facto, o Latim perde o pé ante a ideia de assassínio. “O homem foi morto” — como é que isto soaria em Latim  “Interfectus est, interemptus est” é assim que se exprime a ideia de homicídio; a cristandade latina da Idade Média foi, por isso, forçada a introduzir uma palavra nova, dado que a fraqueza das concepções clássicas nunca o conseguiria fazer. “Murdratus est”, dizia-se no sublime dialecto daquelas eras góticas. Entretanto, a escala judaica do assassínio manteve vivo tudo quanto ainda sabia de tal arte, transferindo, gradualmente esses conhecimentos para o Ocidente.

Recorrendo, no entanto, e por instantes, à antiguidade clássica, não posso deixar de pensar que Catilina, Clódio e outros do mesmo corrilho, dariam artistas de primeira água; só há motivos para lamentar que a má vontade de Cícero tenha tirado ao seu país ocasião de se distinguir neste capítulo. Como vítima de assassínio, ninguém poderia ter servido melhor do que o autor das Catilinárias

Para voltar aos tempos do obscurantismo — com, o que todos quantos falam com precisão se querem referir em especial ao séc. X, e aos tempos imediatamente anteriores e posteriores, épocas naturalmente favoráveis à arte do homicídio, tal como o foram à edificação de igrejas em execução de vitrais, surge-nos, já perto do fim de tal período, uma grande figura da nossa arte; refiro-me ao Velho da Montanha. Era, na verdade, uma luz resplandecente, e não preciso de lhes dizer que a palavra “assassino” teve origem nele.


29 de julho de 2012

CALEIDOSCÓPIO 211

Efemérides 29 de Julho
Chester Himes (1909 – 1984)
Chester Bomar Himes nasce em Jefferson City, Missouri, EUA. Hilmes é considerado um escritor afro-americano, cujos romances descrevem situações de racismo para as quais os leitores não estariam ainda preparados. O génio do escritor passa despercebido nos EUA; exilado em Paris, publica uma série de romances de policiário negro. Cria a série Coffin Ed Johnson & Grave Digger Jones, — os Detectives do Harlem  — iniciada em 1957 e com um total de 8 títulos publicados, escreve mais 10 romances policiários e publica uma colectânea de contos. Recebe em 1958, em França o Grand Prix de Littérature Policière com The Five-Cornered Square (1955, EUA). Tem obras adaptadas ao cinema. Em Portugal estão editados:
1 - O Primitivo (1968), Nº7 Colecção Livro Amigo, Editorial Íbis. Título Original: The End Of A Primitive (1955).
2 – A Maldição Do Dinheiro (1985), Nº14 Colecção Álibi, Edições 70. Título Original: For Love Of Imabelle (1957), editado também com o título A Rage In Harlem. Reeditado em 1990 pela mesma editora com o Nº18 Colecção Álibi, Série Especial Os Clássicos do Romance Policial, com o título Tumulto Em Harlem. É o 1º livro da série Coffin Ed Johnson & Grave Digger Jones.
3 – O Crime Não Compensa (1985), Nº16 Colecção Álibi, Edições 70. Título Original: All Shot Up (1960). Reeditado pelas Edições 70 em 1992 com Nº35 Colecção Álibi Especial e o título Razia Total. É o 5º livro da série Coffin Ed Johnson & Grave Digger Jones.
4 – Assassinos A Frio (1992), Nº2 Colecção Bolso Negro, Editora Puma. Título Original: The Real Cool Killers (1959). É o 2º livro da série Coffin Ed Johnson & Grave Digger Jones.
5 – Cidade Escaldante (1995), Nº148 Colecção Livros de Bolso, Série Clube do Crime, Publicações Europa-América. Título Original: The Heat’s On (1966), editado também com o título Come Back, Charleston Blue. É o 7º livro da série Coffin Ed Johnson & Grave Digger Jones. Reeditado por Bárbara Palla e Carmo, em 2000, com o Nº10 Biblioteca Visão Mestres Policiais.



TEMA — ALGO SOBRENATURAL — O REINO DO DIABO
O reino e corte do diabo tem estruturas próprias.
Segundo Johann Weyer ou Wierus, ou ainda Jean Wier, o reino do mal está organizado por categorias, calculando-se em 7 405 926 o número dos demónios. Assim, encabeçados pelo seu rei Satanás, existiam 72 príncipes, 1111 legiões de diabos, cada um com 6666 elementos.
O mesmo demonólogo estabelece uma verdadeira hierarquia da infernal corte:
7 reis: Amodeo, Bael, Byleth, Paimon, Purson e Zafan
16 duques: Agares, Alocer, Astarth, Batymh, Berith, Bune, Busas, Chas, Eligor, Gusaym, Muros, Pricel, Sytrey, Valefer, Vespar e Zepar;
13 marqueses: Androalt, Andras, Cimerias, Faerso,Femix, Gemigyn Lamon, Loruy, Marchiass, Mebirus, Rieve e Sabmac;
10 Condes: Barbatos, Botis Decaridia, Furfur, Halfas, Ipes, Morux, Raym, Vime e Zalcos;
11Viscondes: Amy, Buer, Caim, Forcas, Caap, Glasialabolas, Haagent, Marbas, Maltus, Uze e Volac.

Seguindo uma outra fonte, Lucífer é o Imperador, Satã apenas um príncipe; para outros os diabos serão quatro: Lúcifer, Satanás, Leviatã e Belial, enquanto serão principes, Amain On, Ariton, Asmodeu, Astoroth, Belzebú, Margot, Oriens e Paimon. Ainda de outra origem — “Os segredos do Inferno”, um manuscrito de 1522 — Lúcifer é o Imperador, Belzebú, o príncipe, Astaroth o grão-duque, Licifugo o primeiro ministro, Satanakia o general, Agaliaretph o 2º general, Fleyrety o tenente-general, Sargatanas o brigadeiro e Nebirus o marechal de campo.

Mas não ó tudo.
Há quem aponte para uma coligação e governo segundo o calendário:
Janeiro - Belial
Fevereiro- Leviatã
Março - Satã
Abril - Astarte
Maio - Lúcifer
Junho - Baalberit
Julho - Belzebú
Agosto - Astaroth
Setembro - Thamuz
Outubro - Baal
Novembro - Hécate
Dezembro - Moloch


Em que nos quedamos? Sonho? Alucinação? Realidade?




TEMA — HISTÓRIAS DO DIABO — TRIUNFO DO DIABO 
De Don Hutchison
O diabo resfolgou e disse:
— Meu caro, rapaz, pedes demasiado pouco. Posso dar-te mais. Não gostarias de algum dinheiro?
— Não.
— E fama?
— Nem falar.
— Uma vingança?
— Nada.
O Príncipe das Trevas pensou e, astuta mente, perguntou:
— E a respeito de mulheres? Não quererias um harém de belezas exóticas vindas das paragens mais cálidas do globo?
— Não, obrigado — contestei secamente. Tenho uma mulher perfeitamente satisfatória em casa.
O Anjo Caído debruçou-se no trono. Fixou-me com a expressão de um vendedor aborrecido que não consegue efectuar com rapidez um negócio.
— Lamento-o jovem. Temo que não possa ajudar-te. Porque não entras em contacto com um agente?
— Olhe, — disse-lhe — quer a minha alma ou não quer?
Lúcifer ergueu-se da sua poltrona real. Estendeu as garras e apoiou-as sobre a mesa do escritório.
— A tua alma? Queres dizer que…
— Bem, não vim aqui para ver o panorama.
Satanás abanou a cabeça.
— Sei que todos os homens têm um preço. Porém, tu, tu dizes-me que estás disposto a vender a alma imortal em troca de… em troca de chegar a ser um escritor que publica as suas obras.
Inclinei-me sobre o tampo da sua secretaria olhando-o fixamente.
— Olhe — disse-lhe — algumas pessoas pensam que escrever é uma manifestação de um desajuste vital básico. O mesmo desajuste que faz alguns homens enfrentarem a bebida…
— Sei o que é…
— Então está claro que não é algo que deseje fazer; é algo que tenho que fazer. Acreditei que pudesse conseguir que as coisas me fossem mais fáceis.
Lúcifer sorriu.
— Talvez possamos fazer um contrato.
Apertou um boto e dois diabos interiores materializaram-se na sua frente.
— Trazei-me o Grande Livro Maldito — ordenou.
Os demónios assentiram com a cabeça e desaparecerem num instante.
— Agora veremos — disse o diabo.
Esperamos que regressassem os demónios com um enorme volume encadernado em pele humana e de cor escarlate. Colocaram o terrível livro sobre a secretária.
Belzebu folheou as páginas obscenas emitindo ocasionais grunhidos a cada história de libertinagem mundana.
— Aqui está! — disse por fim, batendo numa página com os óculos de aro de corno. — Este é o documento de propriedade de… esta… é um dos meus bens; uma revista que publica relatos sobre vampiros, fantasmas e coisas que fazem ruídos de noite. Parece-me que é justamente o que procuras…
— Porém, como pode garantir-me que…
Inclinou-se lentamente para mim.
— Esta revista aceita o trabalho de todos os meus clientes.
— Quer dizer que o director dessa revista tem ordens de…
— Deixe que lhe explique — interrompeu. Há alguns anos iniciei um novo estilo de revista: terror, espanto, magia, para citar alguns temas. Representa para mim um bom investimento editorial. Por outro lado, são um bom campo de trabalho para os clientes… bem… frustados como tu.
— Quer dizer que é o proprietário?
— Naturalmente — disse o diabo — vampiros, fantasmas, pactos com o diabo! Onde julgaste que iam buscar essas ideias loucas?
De repente estendi a mão apertei a sua garra.
— De acordo — disse — contrato firmado.
— Excelente — exclamou Sua Tenebrosa Majestade, enquanto uns fios de vapor violeta surgiram das suas orelhas e fossas nasais como se fossem cabelos. Entregou-me umas folhas de papel chamuscadas e uma velha máquina de escrever.
— Agora escreve tudo o que se passou aqui, sobre esta entrevista e tudo o mais, rapaz, e depois…
Bateu com as garras no Grande Livro Maldito.
— Depois disso, há aqui material para que passes, os próximos dez mil milhões de anos a escrever!
— Mas isso é uma condenação eterna!
Exactamente! — gargalhou o Diabo.



28 de julho de 2012

CALEIDOSCÓPIO 210

Efemérides 28 de Julho
Kenneth Fearing (1929 - 1961)
Kenneth Flexner Fearing nasce em Oak Park, Illinois, EUA. Jornalista, editor, poeta, romancista e autor de romances policiários: The Hospital (1939), Dagger Of The Mind (1941), Clark Gifford’s Body (1942), The Big Clock (1946), Loneliest Girl In The World (1951),The Generous Heart (1954), e The Crozart Story (1960). O livro mais conhecido do escritor é The Big Clock que foi adaptado por duas vezes ao cinema, em 1948 e em 1987, esta última versão com o título No Way Out com Kevin Costner, Gene Hackman e Sean Young.


TEMA — ALGO DE SOBRENATURAL — A FIGURA DO DIABO (PARTE 3)
Figura responsável por calamidades, sofrimentos, infelicidades ou má sorte, tão actuante o diabolicamente obscuro, bem merece a lapidar frase de Baudelaire:
A mais bela astúcia do diabo é persuadir-nos de que não existe ".
Mas, quem é este personagem assim prendado? Quem o viu? Existe realmente essa satânica criatura?
Raoul Glaber, um monge do mosteiro do Saint-Léger (cerca do Ano 1000) afirmava que o viu na forma de um pequeno monstro de forma humana.
Sonho? Alucinação? Realidade?
Do mundo da Arte são incontáveis as figurações: os textos literários, esculturas e pinturas representam-no, geralmente com chifres, barba em ponta, pés de cabra, asas de morcego.
O inquiridor Pierre de Lancre é categórico:
“ a face do diabo era geralmente triste e enrugada, tinha a testa ornada do pequenos cornos ,com três outros muito grandes semelhantes a cornos de bode, um sobre a frente da cabeça e os outros da parte de trás, olhos redondos, grandes, abertos, inflamados e ameaçadores, uma barba do chibo, o rosto negro, corpo de bode e homem ao mesmo tempo, pés e mãos iguais de dedos afilados e enganchados como garras…”
Dante em a “Divina Comédia”:
“ esse imperador do doloroso reino/tinha quase meio corpo saído do gelo/gigante/ feio/três faces/duas asas enormes como velas do barco, não cobertas de penas mas como os morcegos, seis olhos/face negra/”
Com que base o retrato? Perguntamos novamente:
Sonho? Alucinação? Realidade?
Faz, em regra, parte constante do nosso dia a dia, na linguagem, no pensamento, nas acções. Existem pensamentos e fazem-se coisas do diabo, têm--se relações e proclamam-se conluios com o diabo, pinta-se o diabo, actua-se por artes o tentações do diabo… o diabo a quatro!
O povo, melhor juiz, sentencia através dos populares provérbios:
De pai santo, filho diabo.
Ira de irmãos, ira de diabos.
Pai não tiveste, mãe não temeste, diabo te fizeste.
Ri-se o diabo quando o faminto dá ao farto.
A cruz nos peitos e o diabo nos feitos.
Na arca do avarento o diabo faz dentro.
O homem é fogo, e mulher é estopa, vem o diabo e assopra.
É motivo de pensamentos eruditos:
Como deve ser tolo o que faz de graça a tarefa do diabo (Heary Fielding)
Mais vale evitar que o diabo entre do que expulsá-lo de dentro da casa: (Thomas Fuller).
O diabo é mais demoníaco quanto mais respeitável (Elizabeth Browning)
Quando o diabo está satisfeito e boa pessoa (Jonathan Swift)
O diabo tem cuidado com os seus seguidores (Thomas Meddleton).
Terríveis são os ardis e as malhas do diabo para que as almas não se conheçam nem compreendam qual o seu caminho" (Santa Tereza).
É cantado:
‘stou farto de romper solas,
Quem não anda não aprende,
Cartas, mulheres e bolas,
Só o diabo as entende.

O diabo leve as mulheres,
Sem ‘ma única excepção,
A primeira seja a minha,
Segunda a do meu patrão.

Os homens são como os lobos,
Só lhes falta ter rabo,
Aparecem às donzelas,
Em figura de diabo.

Motiva orações:
“Glória a ti e louvor, satã, nas alturas do céu em que reinaste, e glória nas negruras do inferno em que sonhas, silencioso, vencido! Faz que um dia o meu espírito repouse satisfeito contigo, sob a árvore da ciência, oh satã! Quando, moderno templo os seus ramos se abrirem”. (Charles Baudelaire)

Sonho? Alucinação ? Realidade ?
(continua)

Diabo de Rosa Ramalho

TEMA — CONTO — O ESTRIPADOR
De Natércia Leite
A atravessar o jardim segue a jovem mulher.
O dia correu bem; leva dinheiro.
A madrugada alta, em lua pardacenta ,parece deslizar no céu.
Há um vulto que sai dos arbustos, um homem, e que se aproxima.
Trocam em voz baixa algumas palavras. Os corpos tocam-se…
O homem encosta-se ao corpo da mulher, e ela sente que algo fino lhe rasga o ventre, de baixo para cima, a estraçalha, e que o sangue corre em borbotões, quente… quente, junto com as vísceras. E tudo muito rápido e a noite escura engole a cena.

No quarto muito pobre a rapariga tirita de frio. Tem fome.
Nem um só cliente ainda, naquele dia.
A tarde morreu há pouco. Está escuro.
Batem de manso à porta.
Ela abre-a, esperançada.
Envolto num sobretudo o homem entra. Mala na mão. Parece um médico.
Falam. Combinam preços…
Ela está repousada, satisfeita agora. Obedece às ordens dele. Deita-se de costas. Desnuda-se…
E na ténue luz do quarto a lâmina rasga o ventre com um golpe certeiro, de baixo para cima. A dor é funda, enorme. O quarto dança. O esquecimento devora-a

Por um copo vende-se. Anda pelo mercado, conhece toda a gente. E já entrada nos anos e está estragada e gasta.
Por um copo, por pouca coisa, vende-se.
E há quem a disfrute, se aproveite dos restos do seu viço.
Anoiteceu há pouco. Encostada à parede da viela escura espera, nem sabe bem o quê.
O homem vem e com arte e rapidez estripa-lhe o ventre e acaba com aquele comércio em decadência.
Desaparece depois, ligeiro, feito sombra, confundido com as sombras da noite.
O corpo escorrega pela parede, ajeita-se no chão, qual monte de roupa velha…
O sangue empapa tudo. As tripas saiem do corte brutal…

E bela, fina, aristocrática. Atende só pelo telefone, com marcações.
A discrição é tudo!
O cavalheiro chegou. Traz champanhe e bombons.
Conversam. No sofá trocam-se, baixo, como que confidências.
Há um silêncio enorme que os envolve.
A discrição continua a ser tudo!
E a lâmina rasga as carnes róseas da prostituta fina, esventrando-a em silêncio.
Os olhos abertos, claros, espantados…
O sangue que escorre do sofá para a alcatifa…

Vários casos. Vários ventres esfaqueados.
As mulheres têm medo de sair no escuro. Principalmente as prostitutas.
Estranho assassino que sabe manejar com perícia o bisturi.
Depois a onda passa. Os crimes param…
Perde-se no tempo a marca do Estripador!

Até quando?