30 de junho de 2012

CALEIDOSCÓPIO 182

EFEMÉRIDES – Dia 30 de Junho
Winston Graham (1908 – 2003)
Winston Mawdsley Graham nasce em Victoria Park, Manchester, Inglaterra. É considerado um dos escritores mais prolíficos e de maior sucesso do séc. XX. Autor de 50 romances de vários géneros literários, é mais conhecido pela série Poldark, um conjunto de 12 novelas de ficção histórica, publicado entre 1945 e 2002, adaptada à televisão e exibida em 22 países. Winston Graham escreve também outros livros, peças de teatro, argumentos para cinema e short stories. Os primeiros thrillers publicados nos anos 30 não são muito do agrado do escritor, que muitas vezes os descreve como estando “merecidamente fora do catálogo”. A partir dos anos 50 os romances elevam o grau de suspense.Os livros mais famosos são The Little Walls (1955) galardoado com o primeiro Gold Dagger atribuído pela The Crime Writers Association e Marnie (1961), adaptado a filme sob direcção de Alfred Hitchcock. Em Portugal estão editados:
1 – O Expresso De Basileia (1949), Nº451 Colecção Mistério e Acção, Editorial Século.
2 – O Benefício Da Dúvida (1967), Nº171 Colecção Xis, Editorial Minerva.
3 - Poldark (1979), Livros do Brasil. Inclui os quatro primeiros livros da série: Ross Poldark (1945), Demelza (1945), Jeremy (1950) e Warleggan (1953).



TEMA — HISTÓRIAS DO DIABO — PACTO DIABÓLICO
De F.M. Cardaillaguet
O triste e desgraçado homenzinho ajustou as lentes ao nariz e, após algumas dúvidas, resolveu realizar o rito mágico; queria abandonar a sua cinzenta existência de empregado de escritório, tinha que fazê-lo, não importava o preço.
Com giz desenhou no solo o pentágono satânico, a mística figura em forma de estrela de cinco pontas. Tinha de ser feita de um só traço e com extraordinário cuidado, pois qualquer erro na linha de continuidade faria perder a efectividade do acto e, inclusivamente, punha a sua vida em perigo. Depois desenhou um círculo, de uns metros de diâmetro envolvendo o desenho e escreveu os nomes dos principais demónios do inferno. Por último derramou umas gotas do seu próprio sangue e, abrindo as páginas do Grande Livro Negro, começou a recitar com voz guinchante os salmos de encantamento.
Um calor sufocante inundou o quarto; mal havia acabado de pronunciar a última silaba quando, entre nuvens de vapores sulfurosos, surgiu uma pequena figura de ridículo aspecto, que o observava inquietamente.
— Mas és na verdade o Diabo? — perguntou o assombrado homenzito.
— Gaita! Tendes sempre que dizer as mesmas coisas! — contestou o ser diabólico. Não sei que ideia tendes vós, humanos de nós, nem o que entendem por Diabo. Sou Minus, um dos diabos menores do Inferno!
— Um dos pequenos diabos, quereis dizer… — homenzito mirou pensativamente o escasso metro da estatura da infernal figura.
Um relâmpago de ódio brilhou um instante nos olhos de Minus.
— Escuta boneco, aqui em baixo temos trabalho de sobra, se acreditas que tenho tempo a perder com alma tão miserável como a tua… Afinal que queres?
O homenzito estava aturdido, pois nunca havia esperado tal resultado do encantamento; na realidade era o primeiro que fazia. Pensara milhares de vezes no que pediria se se apresentasse a ocasião: poder, imortalidade, mulheres formosas, riquezas, viagens… e agora que chegara a hora não conseguia concretizar os seus desejos.
— Poiiis… estooou… quero… hum… já sei! Já sei! Todo o dinheiro que possas trazer-me — decidiu por fim, para alívio de Minus.
O Diabo pensou um instante coçando um corno e respondeu;
— Está bem! Vou buscá-lo! Antes limpa um traço do círculo para que possa sair; sobretudo assina no Livro das Almas, já que eu sei o que se passa e não quero brincadeiras depois.
O homenzinho fez o que lhe mandava e depois de cumprir todos os requisitos, observou com estranheza que o pequeno demónio abria a porta e desaparecia pela escada saltando dois a dois os degraus com as patas de bode.
O tempo passava com lentidão exasperante. Após horas de impaciente espera, a demora de Minus começou a preocupá-lo. A suspeita de que não cumprisse a palavra começou a formar-se-lhe na mente, quando a campainha da porta suou. Riiimg!
Foi ver o que era e encontrou o diabito arrastando uns pesados fardos com ar satisfeito.
— Moço, o trabalho foi difícil, mas consegui cumprir o teu desejo. Vou voltar ao pentágono.
De repente vários polícias irromperam pelo quarto apontando as suas armas.
— Nada disso, amiguito; Ficas detido pelo roubo do Banco.
Actualmente, Minus e o homenzito deixam apodrecer os ossos no cárcere.

Claro, também entre os diabos há desgraçados sem sorte!


29 de junho de 2012

CALEIDOSCÓPIO 181

EFEMÉRIDES – Dia 29 de Junho
Frédéric Dard (1921 – 2000)
Frédéric Charles Antoine Dard nasce em Jallieu, Isère, França. Escritor de romance negro, de peças de teatro e de argumentos para cinema é um dos escritores franceses mais produtivos do género policiário. Estão-lhe atribuídos uma centena da pseudónimos (!), sendo difícil quantificar com rigor a sua obra literária. Oficialmente publica 288 romances, vinte peças de teatro e 16 adaptações para cinema. O destaque na sua vasta obra vai para a série San-Antonio, 175 livros, publicados entre 1949 e 2001, sob o pseudónimo literário San-Antonio; narrados na primeira pessoa os livros relatam as aventuras do comissário Antoine San-Antonio. Com um estilo muito característico, com textos carregados de humor e uma linguagem própria onde os neologismos, os jogos de palavras e as figuras de estilo marcam uma presença constante, os romances de San-Antonio são um sucesso em França e estão adaptados à rádio cinema e Banda Desenhada. Em Portugal alguns livros de BD são editados pela Distri em 1984 e é possível encontrar o registo das seguintes edições, sob o nome Frédéric Dard.
1 – O Coveiro Chora (1958), Nº13 Colecção Policial Corvo, António Lopes Ferreira. Título Original: Le Bourreau Pleure (1956). Premiado com o Grand Prix de Littérature Policière
2 – Crime Passional (1959), Nº20 Colecção Policial Corvo, António Lopes Ferreira. Título Original: Une Gueule Comme La Mienne (1958).
3 – És Tu O Veneno (1960), Nº4 Colecção Criminalidade, António Lopes Ferreira. Título Original: C’est Toi Le Venin (1957).
4 – O Acidente (1960), Nº2 Colecção Círculo Vermelho, Editora Íbis. Título Original: L’ Accident (1961).
4 – A Morte Do Coveiro (1985), Nº451 Colecção Vampiro, Editora Livros do Brasil. Título Original: Le Pain Des Fossoyeurs (1957).
5 – Um Cadáver no Parque (1986), Nº474 Colecção Vampiro, Editora Livros do Brasil. Título Original: La Pélouse (1962).
6 – Espionagem No Deserto (2009), Editora O Quinto Selo Título Original: ??
7 – A Fotografia Do Morto (2009), Editora O Quinto Selo Título Original: ??

Marc Villard (1947)
Nasce em Versailles, França, Poeta, romancista e argumentista, em 1980 começa a dedicar-se à literatura policiária, em especial ao romance negro. Entre Légitime Démence, publicado em 1980 e Avoir Les Boules À Istanbul de 2012 tem dezenas de trabalhos publicados: romances, novelas, argumentos para Banda Desenhada e filmes. È considerado pela crítica como um especialista nos textos curtos — conto e novela.


TEMA — CONTO DE CRIME — A MANSÃO À BEIRA LAGO
De Fernando Saldanha
A faustosa mansão dos Lawton, à beira de um grande lago, deixava escoar para o exterior uma aparente vivência calma e tranquila, nada deixando prever a irremediável tragédia que se iria abater sobre os proprietários.
Os Lawton só ocupavam aquela residência na Primavera e no Verão. Naquele dia de fins de Agosto, de sol temperado e clima ameno, quando uma corte de empregados punha uma nota activa em toda a mansão, Jane Lawton dirigiu-se à grande biblioteca onde o marido se encontrava repousadamente lendo os jornais diários.
— Bom dia, Gustavo. — dísse, pousando os lábios na face trigueira dele — Hoje está um dia bonito. Não há vento no lago.
Os dois não andavam longe dos trinta anos e há muito que viviam maritalmente separados, dormindo cada um em seu quarto e só se visitando espaçadamente. Possuíam ambos fortunas pessoais invejáveis e tinham feito um casamento de conveniência, por imposição das famílias, que desejavam em comunhão de bens, um império financeiro.
— Sim, está um bonito dia. — repetiu ele, apenas distraído.
Se ela era uma beleza castiça, com atractivos pessoais que fariam a felicidade de qualquer homem, Gustavo estava em pleno vigor másculo, denotando forte personalidade, com feições correctas e um pequeno e insinuante bigode que encantava as mulheres do seu círculo de relações.
Qualquer dele praticava, sem cerimónia do outro, o adultério ambos o sabiam.
— Vou dar um passeio até ao largo. Queres vir? — convidou ela.
Um rápido clarão de alegria, que Jane não viu, cruzou os olhos de Gustavo.
— De acordo, de acordo. — aquiesceu ele — Podes mandar preparar o barco.
Depois de dar as ordens ao encarregado, Jane subiu ao seu quarto, e escreveu ao seu amante mais recente.
Gustavo, por sua vez, retirou papel de uma gaveta e escreveu:
“Minha boa amiga Chegou o dia esperado. Eu e Jane vamos dar um passeio no lago. Ela não suspeita de nada. Basta apenas um pequeno empurrão, e ficaremos livres dela para sempre.
Espera-me em breve.
Sempre teu Gustavo”.
Dobrou a folha do papel, que colocou num envelope, previamente endereçado.
Chamou o motorista e mandou-o levar a carta com urgência, ao correio à povoação mais próxima, que distava cerca de seis ou sete quilómetros.
Quando Jane desceu, com a sua carta na mão, o mordomo informou-a de que o motorista saíra, a pedido do patrão. Entregou a missiva ao mordomo dizendo-lhe para a mandar por no correio, logo que o motorista regressasse.
No cais privativo, o barco de recreio, a motor, aguardava-os.
Rumaram para o largo.
A cerca de cinco milhas da margem Gustavo entendeu que estavam criadas as condições ideais para por em prática o seu acto.
— Jane — pediu ele — Vai ver a amurada de bombordo. Alguma coisa deve ter batido perto da quilha.
Ela obedeceu, debruçando-se um pouco, e o braço de Gustavo ergueu-se, balanceando.
Nesse preciso instante, ela soltou uma exclamação abafada:
— Olha! Que vem a ser aquela nuvem negra?
O braço dele desceu suavemente e a mão pousou com displicência no ombro de Jane, preparada ainda para a empurrar.
— Hein? O quê?
Ergueu a cabeça e viu. Não ar uma nuvem, mas várias. Repentinamente, o céu ficara todo negro.
Uma rajada ciclónica abateu-se nobre a frágil embarcação, volteando-a no ar e fazendo desaparecer os seus ocupantes nas águas subitamente revoltas pela inesperada tempestade.
A tragédia consumara-se.


O motorista pegou na carta de Jane que o mordomo lhe estendia, levando-a na mão, para não a amarrotar.
Ao abrir a porta do carro a carta caiu no chão e o envelope, mal fechado, descolou-se.
Pousou a carta no assento, a seu lado.
— Que raio! — resmungou — Logo duas cartas para o correio, no mesmo dia, e tão urgente a que não puderam esperar uma pela outra.
Adiante, espicaçado pela curiosidade, parou o automóvel, acabou de abrir o envelope, e leu:
“Querido Anton
Finalmente vai acontecer. Eu e Gustavo vamos dar um passeio de barco no lago. Quando estivermos ao largo vai ser fácil. O pobre nada mal, nem uma milha aguentará. Basta apenas um ligeiro empurrão, e serei tua para sempre. Breve estaremos juntos.
Tua, Jane”.




28 de junho de 2012

CALEIDOSCÓPIO 180

EFEMÉRIDES – Dia 28 de Junho
Eric Ambler (1909 – 1998)
Eric Clifford Ambler nasce em Londres. Começa por trabalhar numa firma de engenharia e numa agência de publicidade. Escreve nos tempos livres e ambiciona ser dramaturgo. Publica o primeiro livro em 1936 e com o sucesso alcançado dedica-se apenas à escrita. Durante a 2ª guerra mundial é destacado para a Unidade de Cinema do Exercito americano onde escreve e realiza filmes de instrução e propaganda. Em 1957 vai para Hollywood e durante 11 anos trabalha como argumentista e produtor de cinema e televisão; no cinema destacam-se os filmes A Night To Remember e The Cruel Sea — uma adaptação do romance de Nicholas Monsarrat: na televisão cria a série Checkmate exibida entre 1960 e 1962; em paralelo escreve romances policiários. Na década de 60 Eric Ambler opta por regressar à Europa e vive na Suíça e depois fixa-se em Londres e após 60 anos de carreira literária, tem publicados várias short stories e 19 romances, muitos dos quais são hoje considerados clássico e uma referência na literatura policiária. O escritor recebe em 1959 da Mystery Crime Writers Association Gold Dagger Award com Passage Of Arms; recebe também, em 1964, o Edgar Award – Best Novel com The Light Of The Day e em 1987 o Edgar Award – Best Biographical Work pela sua autobiografia Here Lies An Autobiography (1985). O autor é ainda galardoado com o título máximo The Grand Master em 1975.
Eric Ambler esta incluído no Dicionário de Autores Contemporâneos da Narrativa de Espionagem no CALEIDOSCÓPIO 136 (clicar) onde pode ser consultada a sua bibliografia.


 
TEMA — PSICOLOGIA CRIMINAL — O DRAMA DE UM EPILÉPTICO
Trinta Anos Sem Paisagem, romance de Guilherme de Figueiredo, surpreende-se uma das ameaças epilépticas na pessoa de um jurado que, sensualista, procura estabelecer contacto de seu corpo com o de uma jovem doutora chamada igualmente a funcionar no tribunal popular, a qual o adverte ostensivamente de sua ousadia. O autor fixa, então, com perícia, uma aura sensitiva de Pompilio, seguida de manifestações típicas de seu estado patológico:

O olho de Pompilio, um olho só, começou a tremer, tal água em que se atira uma pedrinha. Uma ondulação vaga, fugidia, como se alguém passasse os dedos diante de seu rosto, velozmente. Quis repelir, segurou o corrimão de madeira, apertou-o, espremeu-o. As unhas brunidas tornaram-se lívidas. As mãos, também, de onde fugia o sangue. E “aquilo” diante do olho balouçando, como um galho de árvore, fora de foco. Um galho seco, de folhinhas avermelhadas. O esforço de contenção entumecia-lhe os músculos, empedernia-os. Ali, não. Já, não. Impossível. Aquilo viria, era fatal. Pensou em rezar, e a imagem de Irmã Margarida passou-lhe pela mente. Brotava-lhe o suor na testa, no corpo, nas pernas. Os joelhos sacudiam-se, e ele apoiou depressa os dois pés no chão, porque assim tudo melhorava. Ela é que foi culpada. Por que o insultara? Por que o enraivecera? A perna direita envolveu-se numa dormência ao mesmo tempo dolorosa e hilariante, de uma graça que lhe vinha de dentro e ele lutava para reprimir. Uma graça estúpida… a dança, diante do olho… Na perna dormente bateu-lhe de súbito uma brisa fria, que ficou acariciando-a, sempre no mesmo lugar. Ele temia que viesse ali. Não sabia se demorava, e envergonhava-se. Ali, não. Teriam pena dele, sobretudo…

É notável a evolução da aura visual nesta página de Trinta Anos Sem Paisagem.

Ali, no olho esquerdo, uma chamazinha. Ora descia, ora subia, ora se contorcia. Agora, agora, mais suave, pequenininha. E de repente — agora, agora! — cresceu, cresceu, tomou todo o campo visual, como um incêndio, uma imensa chaga vermelha por cima de tudo… À roda dela Pompilio distinguia uma porção de balõezinhos como bolhas de água no ar, gravitando… E depois a estrelinha. Rodava um pouco o rosto, e ela acompanhava-o, como uma obsessão hipnótica…

Assim, entre ameaças de um paroxismo, o mísero jurado, com a consciência do mal que se aproxima, sofre e concentra todas as energias que lhe restam da vontade para frustrar o acesso máximo e furtar-se à vergonha de cair em convulsões em pleno Tribunal, à vista de todos.


TEMA — NA PELE DE JACK O ESTRIPADOR A POESIA DO CRIME
de M. Constantino

Quisera ser médico, como o foram meu pai, meu avó, meu tio. Cirurgião, para melhor dizer.
Quisera ser poeta.Talvez um poeta-médico ou médico-poeta. Um Deus-homem, que dá vida e mata.
Porque não?
Não é que o dedicado curador, o ajuramentado amante da humanidade, golpeia, retalha, rasga, separa e segmenta a carne do seu semelhante? Verte e derrama, suga qual vampiro, o sangue vital da existência, para servir a própria existência?
Que importa? Num mundo de vítimas os matadores são os heróis, os verdadeiros príncipes da fama. Os que tomam as páginas dos jornais, livros de ouro, as paredes marmóreas, as figuras brônzeas dos monumentos.
 Atila, Agripina, Bórgia, Brutus, Caim, Cláudio, etc.,etc., num infindável rol de A a Z.
O soldado a quem fornecem uma farda, uma arma, uma ordem: mata! — Mãos tintas de sangue — aguarda-o a filarmónica local; o cobarde que atirou a bomba para a multidão inocente tem fotografia nos jornais.
Oh, não! Eu não mato porque me ordenam. Não tenho causa a defender, alguém a vingar. Não mato por dinheiro ou fome, honra, cobardia ou coragem, desajustamento ou hipocrisia. Não há impulso ou paixão… mato em nome próprio e por gozo.
Sou fiel à minha natureza. Acredito no elementar, livre, poder de matar!
Testemunham-no as ruas húmidas e sujas de East End, o norte de Whitechapel e o Bairro de Spitalfields — Buck's Row, Hanbury Street, Berner Street e Miller’s Court. O nevoeiro impenetrável, tabernas, bordéis e tugúrios, mendigos e estrangeiros, sórdidas prostitutas que saem dos portais escuros e oferecem o corpo num sorriso desdentado e ar de abandono.
Penetro na noite negra.
Na mente um desígnio, protegido pela máscara do rosto, que reage como se quer que reaja.
Respiro profundamente, boca húmida de prazer antecipado.
Uma prostituta detém-se, convidativa, junto do muro molhado de um edifício.
Aproximo-me.
Em silêncio dou-lhe uma moeda de ouro.
A meretriz vendia o corpo, eu adquiro uma vida.
… puxo pelos cabelos da mulher obrigando-a a dobrar a cabeça para trás, executo um traço largo com o bisturi, e de um só golpe, talho a garganta de orelha a orelha.
Solto um suspiro de alívio.
Sobre o empedrado lamacento despedaço o corpo; com velocidade e perícia secciono as vísceras da fulana.
Contemplo cuidadosamente a admirável obra executada.
Um momento de inesquecível gozo.
A poesia do crime!
Mary-Anne, Elizabeth, Catherine e Mary Jane…
O clamor público, nos esforços da Scotland Yard, a quem endereço desafios e troféus, fazem-me feliz durante muito tempo...

Não voltei a Whitechapel.
O certo é que estou extremamente enfermo. São constantes as dores de cabeça.
Limitado ao cubículo deplorável, que é o meu quarto de advogado sem clientela, e que mais se assemelha a uma estreita cela, ainda que sem grades, sou um homem agonizante. Mal resisto ao esmagador rumor, impaciente, violento e furioso, contra as paredes do cérebro.
Dificilmente me imagino o homem-Deus, o Deus-homem, o poeta da morte e do crime.
Ah! Mas o meu poder é força!
Farei uma última vítima.
Subitamente todas as dores se dissiparam.
Lutando como um demente contra a terrível fraqueza, consigo sair.
 Dirijo-me para as margens do Tamisa.
Encho os bolsos de pedras e atiro-me ao rio.
Afundo-me lentamente… lentamente…
O poeta do crime escreve o seu derradeiro e mais belo poema!
Desço… desço…
Ao longo do percurso, qual guarda de honra, uma multidão informe, rostos avermelhados de pequenos chifres nas testas amplas, saúda-me num vozear ensurdecedor e crescente de reconhecimento… Jack… Jack… Jack… o Estripador.
No termo da longa fila, um anjo negro segura uma coroa de louros ardentes, com que me vai coroar…
Chamas vermelhas rodeiam o perfil do trono que me é destinado, onde, em letras rubras se destaca um nome:
“MONTAGUE JOHN DRUITT”



27 de junho de 2012

CALEIDOSCÓPIO 179

EFEMÉRIDES – Dia 27 de Junho
Peter Maas (1929 – 2001)
Nasce em Nova Iorque. Jornalista e escritor é mais conhecido pelos livros de crime real que escreve. Autor de vários bestsellers, na sua obra destaca-se: a biografia de Francesco Vincent Serpico, oficial da polícia de Nova Iorque, célebre pela sua luta contra a corrupção; The Valachi Papers (1968), uma biografia de Joseph “Joe Cargo” Valachi, o primeiro membro da Mafia que reconhece publicamente a existência destra organização; e In A Child’s Name (1990), vencedor do Edgar Award 1991 na categoria de Best Fact Crime, relata a história de um assassinato brutal de uma mulher pelo marido psicopata e a batalha legal de custódia sobre o filho do casal que se seguiu entre a irmã da vítima e os pais do assassino. Peter Maas, na área da ficção, esve ainda o seguintes thrillers: Made In America (1979), Father And Son (1989) e Chine Whoite (1994). Em Portugal estão editados:
1 – O Caso Valachi (1973), Nº24 Colecção Vida e Aventura, Livros do Brasil. Título Original: The Valachi Papers (1968), também editado com o título The Canary That Sang.
2 – Serpico (1976), Nº129 Colecção Contemporânea, Editora Dêagá. Título Original: Serpico (1973).


TEMA — PEQUENOS GRANDES CONTOS DA LITERATURA UNIVERSAL — INVENÇÃO DIABÓLICA
De Leon Tolstoi
Um pobre lavrador foi para o campo lavrar a terra antes de ter almoçado. Levava, prevenidamente, um pedaço de pão e, antes de começar o trabalho, deixou-o ao pé de um arbusto e tapou-o com o capote.
Mais tarde, enquanto repousava — aproveitando o cansaço do seu cavalo — sentiu apetite e foi em busca do pão, após desatar o animal do arado para que passeasse livremente. Aproximou-se do arbusto, levantou o capote e não viu o pão. Procura que procura, vira que vira, tudo inútil: o pão não apareceu.
O camponês surpreendeu-se com aquele inesperado desaparecimento.
— Que coisa tão estranha, — pensava — Não vi ninguém e apesar de tudo, alguém me levou o pão.
O autor da artimanha fora um diabinho que, enquanto o lavrador trabalhava, lhe roubara a côdea de pão e que se sentou depois atrás dum arbusto para ver se a ira o impelia a maldizer.
O lavrador não estava contente, pelo contrário, mas limitou-se a murmurar:
— Ora, não morrerei de fome por isso. Aquele que tirou o pão, por certo necessitava mais que eu. Pois que lhe faça bom proveito.
Ao dizer isto foi ao poço, bebeu água, descansou um momento, foi buscar o cavalo e voltou á sua tarefa.
O diabinho estava furioso por não ter podido fazer o lavrador pecar e foi pedir conselho ao diabo mestre. Contou-lhe como roubara o lavrador e como este em vez de se zangar, dissera: “Bom proveito lhe faça”.
O diabo mestre caiu em cólera e disse:
— Se o lavrador te venceu neste assunto, porque faltaste ao teu dever e não soubeste manejá-lo. Tem presente que se deixarmos os camponeses e as suas mulheres desafiar-nos desta maneira, vamos passar uma vida de cães… Isto não pode ficar assim, de maneira que, volta a casa do camponês e ganha o pão que roubaste, se quiseres comê-lo. Se de hoje a três anos não venceres esse campónio lançar-te-ei em água benta.
O diabrete sentiu um calafrio de espanto.
Voltou a correr à terra para reparar a sua falta. À força de pensar acabou por encontrar o que queria.
Tomou a forma de um homem e entrou ao serviço do lavrador. Prevendo que o Verão seria muito seco convenceu o amo que semeasse trigo nas terras pantanosas. O lavrador seguiu o conselho.
A força do sol queimou as searas doe demais lavradores, enquanto aquelas brotaram altas e formosas. Teve bastante para a sua alimentação e ainda restou muito trigo.
No verão seguinte, o criado persuadiu o lavrador que semeasse trigo nas terras altas e, precisamente aquele ano, foi chuvoso.
O excesso de humidade apodreceu o trigo de todos e as espigas não amadureceram, mas o nosso lavrador recolheu das terras altas abundante colheita. Tanto e tão grosso ora o grão de trigo que, cheios os celeiros, não sabia o que fazer ao que sobrava.
Então o criado ensinou o patrão a fabricar o vodka, e o lavrador afeiçoou-se a ele de tal modo, que não só bebeu ele próprio como fez os demais beberem daquela forte aguardente.
Então o diabinho foi buscar o diabo mestre gabando-se de ter ganho o pedaço de pão, mas o diabo mestre quis convencer-se pessoalmente.
Foi a casa do lavrador e viu que este convidara os notáveis do país e a todos obsequiava com vodka. A dona da casa em pessoa servia de beber e sucedeu que, uma vez que passou junto à mesa, tropeçou num ângulo e derrubou um copo.
— Tonta dos diabos! — gritou o lavrador — Por acaso isto é água para que a derrames desta maneira ?
O diabinho deu uma cotovelada no diabo mestre.
— Repara — disse -lhe — agora não acontece como daquela vez com o pão.
Após ter brigado com a mulher o lavrador quis servir por si próprio o licor fermentado e todos brindaram com regozijo. Nisto, entrou um modesto camponês, que não se esperava, e que depois de saudar, se sentou. Ao ver os demais beber vodka, sentiu ganas de prová-lo e reconfortar-se, mas ninguém lho oferecia e o pobre teve que contentar-se em tragar saliva.
O amo murmurava baixinho:
— Terei feito vodka suficiente para oferecer a todos que se nos apresentem?
Isto também agradou ao diabo mestre e fez encher de orgulho o diabinho que exclamou:
— Espera, que o bom vem agora.
Os ricos lavradores e com eles o amo da casa beberam o vodka e quando este começou a fazer o seu efeito, começaram a dirigir elogios mútuos, com palavras melosas.
O diabo mestre ouvia e felicitava o diabinho.
— Com esta beberagem — dizia — tornam-se hipócritas e enganam-se uns aos outros, de maneira que os teremos a todos em nosso poder.
— Espera um pouco mais e verás o que vai acontecer — respondeu o demoniozinho — Aguarda até que bebam somente outro copo. Agora estão como raposas que movem a cauda a ver se enganam alguém, mas em breve vais vê-los enfurecidos como lobos.
Os lavradores beberam outro copo e começaram a gritar e a falar de modo grosseiro. As injúrias substituíram as palavras melosas; apoderou-se de todos um furor extraordinário e acabaram por se bater estropiando os narizes. O próprio dono da casa, quis intervir na contenda e levou a sua parte de pancadas.
O diabo mestre olhava e divertia-se.
— Isto vai bem — disse, esfregando as mãos.
O diabrete acrescentou:
— Espera mais um pouco. Deixa que bebam outra taça e verás. Agora estão como lobos raivosos mas, logo que saboreiem outro copo ficarão como porcos
Os lavradores beberam o terceiro copo e ficaram meio aturdidos. Murmuravam, grunhiam e gritavam sem saber porquê e para quê e sem se escutarem uns aos outros. Cada qual foi para o seu lado; uns sós, outros aos pares ou em grupos de três, e todos foram a cair por terra para suas casas.
O dono da casa, que saiu para se despedir dos seus hóspedes, deixou -se cair num charco, empapado de lodo ali ficou adormecido como um leitão.
Isto agradou ainda mais ao diabo mestre.
— Sabes — disse ao diabinho — que inventaste uma famosa bebida? Ganhaste bem a pedaço de pão. Agora vais-me ensinar como fabricaste essa beberagem. Juraria que puseste nela: primeiro sangue de raposa, e por isso os lavradores se tornaram enganadores e hipócritas; depois sangue de lobo, que os tornava tão maus como eles e, por último, sangue de porco, que os converteu em porcos.
— Não — disse o diabinho — não lhes fabriquei assim essa beberagem. Limitei-me a fazer que esse lavrador tivesse trigo de sobra. Era nele que estava o sangue de todos esses animais, mas esse sangue não podia agir enquanto o trigo desse apenas o necessário para alimentação. Quando o trigo passou a ser em excesso, pôs-se a pensar no modo de utilizá-lo, e aproveitei a ocasião para ensinar-lhe a beber vodka. Ao destilar para seu regalo o dom de Deus, convertendo-o em Vodka, manifestaram-se o sangue da raposa, do lobo e do porco; agora não terá outra coisa a fazer senão continuar a beber para se converter no mesmo que esses animais.
O diabo mestre felicitou-o e promoveu-o na hierarquia do Inferno.



DICIONÁRIO DE AUTORES CONTEMPORÂNEOS DA NARRATIVA DE ESPIONAGEM (8)

10 – BAGLEY (DESMOND)
1923 — 1983

Desmond Bagley

Nascido em Inglaterra viaja até Rodésia, Uganda e Africa do Sul onde trabalha como jornalista. Depois de publicar o primeiro livro, The Golden Keel (1963), que teve grande sucesso regressa a Inglaterra e dedica-se exclusivamente à escrita. Publica no total 16 thrillers: 2 títulos da série Slade, 2 títulos da série Max Stafford e 12 romances.

1 – Correndo Às Cegas
Círculo de Leitores (1981)
Tradução de Maria Manuela Saraiva
Título Original: Running Blind (1970)
1º Livro da série Slade

2 – O Tigre Da Neve
Círculo de Leitores (1981)
Tradução de Maria Ludovina Ferreira Figueiredo
Título Original: The Snow Tiger (1974)

3 – O Fugitivo
Círculo de Leitores (1981)
Tradução de Mário Serra
Título Original: Flyaway (1978)
1º Livro da série Max Stafford

4 – O Inimigo
Círculo de Leitores (1982)
Tradução de Felisbela Godinho Carneiro
Título Original: The Enemy (1978)

5 – Alta Cidadela
Círculo de Leitores (1982)
Tradução de Maria Ludovina Ferreira Figueiredo
Título Original: High Citadel (1965)

6 – Crise Nas Bahamas
Círculo de Leitores (1984)
Tradução de Maria Adelaide Namorado
Título Original: Bahama Crisis (1980)

7 – Herança Sinistra
Círculo de Leitores (1984)
Tradução de Maria Adelaide Namorado
Título Original: Windfall (1982)
2º Livro da série Max Stafford

8 – Noite De Terror
Círculo de Leitores (1985)
Título Original: Juggernaut (1985)

9 – Missão Em África
Círculo de Leitores (1986)
Tradução de Maria Adelaide Namorado
Título Original: Juggernaut (1985)


11 – BALLINGER (BILL)
1912 — 1980
Bill Ballinger

Autor já referido no CALEIDOSCÓPIO 73 (clicar)
Numa segunda fase da sua carreira literária, depois de uma interrupção de quase 10 anos, lança em 1965 o agente da CIA Joachim Hawks, um espião de origem hispano-americana, com o Sudeste asiático como teatro de operações. Este herói protagoniza 5 romances do autor, todos editados em Portugal

1 – O Espião Na Selva
Editorial Minerva (1967)
Tradução de Adelino Rodrigues
Título Original: The Spy In The Jungle (1965)

2 – O Espião Em Angkor Wat
Bertrand Editores (1967)
Colecção: Espionagem: Nº 21
Tradução de M. M. Ferreira da Sikva
Título Original: The Spy At Angkor Wat (1966)

3 – O Espião Em Bankok
Editora Dêadá (1967)
Colecção: Espionagem: Nº 4
Tradução de Eduardo Saló
Título Original: The Spy In Bankok (1963)

4 – A Máscara Chinesa
Editorial Minerva (1968)
Colecção: Espionagem: Nº
Tradução de Abel Marques Ribeiro
Título Original: The Chinese Mask (1965)

5 – O Espião No Mar De Java
Editora Dêadá (1970)
Colecção: Espionagem: Nº 53
Tradução de Ana Gonzalez
Título Original: The Spy In Java Sea (1966)