27 de maio de 2012

CALEIDOSCÓPIO 148

EFEMÉRIDES – Dia 27 de Maio

Dois grandes escritores de Policiário: TONY HILLERMAM e DASHIELL HAMMETT

Tony Hillerman


Tony Hillerman (1925 - 2008)
Anthony Grove Hillerman nasce em Sacred Heart, Oklahoma EUA. Jornalista e professor de jornalismo na universidade em Albuquerque e escritor de bestsellers. Os seus livros policiários são qualificados pela crítica como etnológicos, por causa dos locais que o autor escolhe como pano de fundo — o sudoeste americano em especial as reservas dos índios Navajo — e pelos detalhes geográficos e culturais introduzidas. O seu primeiro livro The Blessing Way, publicado em 1970, apresenta Joe Leaphorn, oficial da Polícia Tribal Navajo, que é também a figura central de Dance Hall Of The Dead (1973) e de Listening Woman (1978). O autor cria também Jim Chee, elemento da mesma força policial, mas ao contrário de Leaphorn, é um crente firme na cultura tradicional Navajo. Jim Chee protagoniza People Of The Darkness (1980), The Dark Wind (1982) e The Ghostway (1984). A partir de 1986 com The Skinwalkers o escritor junta os dois personagens numa série que publica 12 títulos até 2006. Tony Hillerman escreve ainda mais romances alguns em colaboração com outros autores de policiários. Em 1991 é distinguido com o galardão máximo atribuído pelos Mystery Writers of America — Grand Master Award e é extensa lista de nomeações e de prémios recebidos pelo escritor. Destacam-se as nomeações para o Edgar Award Best Novel em 1971 1972, 1979 e 1989 para, respectivamente, The Blessing Way, The Fly On the Wall, Listening Woman e A Thief Of Time (1988). E os prémios: Edgar Award 1974 e Grand Prix de la Litérature Policiére 1989 para Dance Hall Of The Dead; Anthony Award Best Novel 1988 para The Skinwalkers,
Macavity Award Best Novel 1989 para A Thief Of Time, Nero Award para Coyote Waits. Em Portugal estão editados:
1 – Onde Os Mortos Dançam (1989), Nº100 Colecção Caminho de Bolso Policial, Editorial Caminho. Título Original: Dance Hall Of The Dead (1973)
2 - Skinwalkers (1990), Nº114 Colecção Caminho de Bolso Policial, Editorial Caminho. Título Original: The Skinwalkers (1986)
3 – O Povo Das Trevas (1991), Nº124 Colecção Caminho de Bolso Policial, Editorial Caminho. Título Original: People Of Darkness (1980)
4 – O Deus Que Fala (1991), Círculo de Leitores. Título Original: Talking God(1989)
5 – O Vento Negro (1993), Círculo de Leitores. Título Original: The Dark Wind (1982)
6 – O Coiote Espera (1993), Nº154 Colecção Caminho de Bolso Policial, Editorial Caminho. Título Original: Coyote Waits (1990)
7 – Caça Ao Texugo (2001), 40º Volume Livros Condensados, Selecções do Reader’s. Título Original: Hunting Badger (1999)
8 – Vento Uivante (2002), 45º Volume Livros Condensados, Selecções do Reader’s. Título Original: The Wailing Wind (2002)
9 – A Primeira Águia (2002), Editorial Tágide. Título Original: The First Eagle (1998)


Dashiell Hammett

Dashiell Hammett (1894 – 1961)
Samuel Dashiell Hammett nasce em Saint Mary’s County, Maryland, EUA. Cresce em Filadélfia e Baltimore, aos 13 anos deixa a escola e desempenha toda a espécie de trabalhos. Entre 1915 e 1922 trabalha como agente da famosa Pinkerton’s Nacional Detective Agency, onde adquire um conhecimento extraordinário sobre a podridão, corrupção e violência da sociedade da época. Ao começar a escrever para a Black Mask, transporta para a narrativa esse conhecimento, cruamente, em estilo directo observações e imagens.

… o primeiro guarda que vi necessitava de uma limpeza geral no corpo e na farda. O segundo faltava-lhe um par de botões no uniforme pouco limpo. O terceiro orientava o trânsito num importante cruzamento da cidade — Broadway e Union Street — com um charuto na ponta dos lábios.
Depois destes, deixei de os observar…

Hammett começa por publicar poemas e short stories sob o pseudónimo Peter Collinson. Depois da publicação de contos seguem-se os romances, Red Harvest (1929), The Maltese Falcon (1930), The Glass Key (1931), The Dain Curse (1931), The Thin Man (1934) e muitos outros…
A contribuição literária de Hammett, principalmente entre os anos 1925 e 1935 significa uma autêntica revolução do género policiário. Não inventou a narrativa negra seguramente, porém consolida-a como género: o realismo e o estilo directo aliados a um comportamento físico e verbal dos personagens, e a violência que é o reflexo da realidade existente. Não obstante, Hammett não faz a apologia de tal comportamento, quanto muito dir-se-ia que o autor ao escrever faz gala do inteligente cinismo.
As adaptações cinematográficas, à rádio e à televisão e até à Banda Desenhada, por Alex Raymond, reforçam o êxito da obra e o nome de Dashiell Hammett.
Fora do círculo literário é um homem muito doente, idealista, incompreendido e infeliz, bebedor, perseguido na famosa caça às bruxas do não menos famoso MacCarthy.
Em Portugal estão editados:
1 – O Falcão de Malta (1950), Nº34 Colecção Vampiro, Livros do Brasil. Título Original: The Maltese Falcon (1930). Editado também em 1979 pelas Edições Regra do Jogo, Nº2 Série Negra; e em 2008 na colecção Os Falcões, pela Editora O Quinto Selo
2 – A Chave de Vidro (1950), Nº47 Colecção Vampiro, Livros do Brasil. Título Original: The Glass Key (1931). Editado também em 1979 pelas Edições Regra do Jogo, Nº5 Série Negra
3 – O Homem Sombra (1952), Nº21 Colecção Escaravelho de Ouro, Editorial Édipo. Título Original: The Thin Man (1934). Editado também em 1960 pela Livros do Brasil, Nº152 Colecção Vampiro; em 1981 pelas Edições Regra do Jogo, Nº9 Série Negra com o título O Homem Transparente; e em 2008 na colecção Os Falcões, pela Editora O Quinto Selo
4 – Estranha Maldição (1953), Nº64 Colecção Vampiro, Livros do Brasil. Título Original: The Dain Curse (1931). Editado também em 1979 pelas Edições Regra do Jogo, Nº7 Série Negra com o título A Maldição Dain
5 – Colheita Sangrenta (1961), Nº11 Colecção 3C, Editora Ulisseia. Título Original: Red Harvest (1929). Editado também em 1979 pela Regra do Jogo, Nº4 Série Negra; e em 2009 na colecção Os Falcões, pela Editora O Quinto Selo
6 – Romances de Dashiell Hammett (2009), Editora O Quinto Selo. Volume Duplo com A Maldição Dos Dain e O Homem Da Sombra


TEMA — HAMMETT, UM CRIADOR DE PERSONAGENS
De M. Constantino
Com a excepção de Waldron Honeywell do primeiro conto, e que o próprio Hammett não gostou e abandonou de imediato, são quatro os personagens criados pelo autor que merecem citação própria.
Continental Op
Continental Op que muitos associam à personalidade do autor, aparece em Outubro de 1923 no conto Arson Plus publicado na Black Mask. É a figura principal de Red Harvest e The Dain Curse e de vários contos que compõem as colectâneas The Continental Op (1945) e The Return Of The Continental Op.
Tal como Dashiell Hammett, detective privado da lendária Pinkerton, Continental Op — originariamente The Continental Detective Agency Operator — concentra-se na figura do Agente da Continental, inominado, cronista de si próprio, escreve na primeira pessoa e é descrito como um homem baixo, forte, por volta dos 40 anos, com uma incipiente calvície, problemas respiratórios talvez por excesso de peso, que não lhe tira a agilidade de acção. É um autêntico profissional, incorruptível, tenaz, experiente na luta contra os malfeitores, não poucas vezes usa a violência contra a violência…


Sam Spade
Sam Spade foi criado em 1929, ano da depressão, da queda da bolsa de Nova Iorque da matança de S. Valentim, em plena lei seca do reinado de gangsters. Tudo se conjuga para que o detective não se divertisse a descobrir os assassinos, mas a combatê-los. No realismo do ambiente psicologicamente não era um justiceiro, mas um duro de corpo e espírito. Segundo Hammett, a mandíbula de Sam Spade era larga e ossuda, o queixo em V que sobressaía do V mais flexível da boca, as aletas do nariz curvam-se para formar um V mais pequeno, os olhos horizontais eram cinza amarelados, cabelos castanho claro… tinha o agradável ar de um demónio loiro. Media aproximadamente 1,85 m, de ampla envergadura de ombros, o corpo parecia um cone invertido. Era a tal espécie de homem demónio que lutava não já pelo império da lei, mas pelos próprios interesses, honestamente, em cumprimento das missões de que era incumbido. Era o prestígio da profissão, agressivo, um impulsivo, talvez, valoroso, brutamontes por vezes, fumador de cigarros negros e batalhador…
San Spade, detective privado, figura no romance The Maltese Falcon e na colectânea The Adventures of Sam Spade: And Other Stories (1944).


Nick Charles
Nick Charles é um ex detective, retirado da Trans American Detective Agency, que se converteu em administrador dos bens da esposa — Nora. Nick Carter não esquece a antiga profissão, e mesmo que quisesse, a esposa recordar-lha-ia, pois gosta de servir de ajudante sempre que lhe encontra possibilidades.
O apelido original de Nick é Charalambides, de ascendência grega, que mudou o nome para Charles para lhe dar sonoridade americana. Também foi um duro na profissão, mudou após o casamento para se integrar na alta-roda da sociedade e círculos sociais a que Nora pertence e vivem perfeitamente em harmonia e despreocupação. Há menos violência nestes personagens e por vezes ressalta um pouco do humor de Hammett. O casal Nick e Nora Charles são os protagonistas de The Thin Man (1934).


Ned Beaumont
Ned Beaumont é o personagem menos conhecido do autor. Está do lado oposto da lei, amigo do chefe de um bando de gangsters, Paul Madvig, com quem entra em conflito, porquanto não aceita a corrupção, o assassinato, nem o poder político mal adquirido. Jogador de dados, bebedor, mulherengo, é alto, delgado, atlético, moreno, de olhos escuros e bigode fino.
Ned Beaumont surge em The Glass Key, mais delinquente do que detective, mas com sentido de amizade e justiça.


TEMA — CONTO
De Dashiell Hammett
Dashiell Hammett não se limita ao tipo policial. Por vezes revela um humor negro terrível e especialista da short-story. Vejamos:

Com um suspiro de satisfação, Walter Dowe tirou a ultima folha da máquina de escrever e recostou-se na cadeira mirando o tecto para relaxar os músculos entorpecidos do pescoço. Olhou as horas: três e um quarto da madrugada. Espreguiçou-se e pôs-se de pé, apagou as luzes e saiu do escritório, dirigindo-se ao quarto de dormir.
Deteve-se bruscamente no umbral. Pelas amplas janelas entrava luz iluminando a cama vazia. Acendeu as luzes e olhou para o quarto; não viu nenhuma das coisas que a mulher vestira naquela noite. Logo, não se havia despido; talvez tivesse ouvido o matraquear da máquina de escrever e decidisse ficar no salão esperando que terminasse. Nunca lhe interrompia o trabalho normalmente ele absorvia-se demasiado nas suas tarefas para a ouvir passar diante da porta do escritório.
Assomou a cabeça pela escada e chamou:
— Altheia!
Não obteve resposta.
Desceu a escada, entrou em todas as divisões da casa, acendendo as luzes. Voltou a subir ao segundo piso e fez o mesmo. A esposa não estava em casa. Estava perplexo e um tanto receoso. Então recordou-se que havia ido ao teatro com os SchuyIer. Tremiam-lhe as mãos ao levantar o auscultador.
Respondeu a criada dos SchuyIer… que houvera um incêndio no Teatro Majestic, que nem o senhor nem a senhora tinham voltado para casa e que o pai do senhor havia saído para procurá-los, porém, não havia voltado ainda. Parecia-lhe que o incêndio tinha sido muito grande…
Quando chegou o táxi que pedira por telefone, Dowe já estava à espera à porta da casa.
Quinze minutos depois metia-se por entre as cordas protectoras que rodeavam o teatro. Um polícia suado e de rosto encarniçado fê-lo retroceder.
— Aqui não está ninguém. O edifício foi evacuado. Levaram-nos todos para o hospital.
Dowe voltou a encontrar um táxi, que o levou ao Hospital Municipal. Subiu as escadas cinzentas entre grupos e choros que as enchiam. Um polícia bloqueava a porta. Um homem de cara pálida, todo de branco, falou por cima do ombro do polícia.
— Não faz sentido que esperem. Estamos demasiado ocupados para atender-vos… tentaremos dar-vos uma lista para a última edição da manhã, todavia não podemos deixar entrar quem quer que seja, por enquanto.
Dowe parou a pensar. Logo lhe ocorreu: “Pois claro, Murray Bornis!”
Regressou ao táxi e deu a direcção de Bornis.
Bornis, em pijama, abriu-lhe a porta. Dowe entrou.
— Altheia foi esta noite ao teatro e não voltou. Não me deixaram entrar no hospital. Disseram-me que esperasse, mas não posso!Tu és comissário da polícia, podes conseguir que me deixem entrar. Enquanto Bornis se vestia, Dowe dava voltas de um lado para o outro. Então fixou a imagem no espelho e ficou imóvel. A visão da sua cara e dos seus olhos de louco devolveram-lhe a calma. Estava à beira de uma histeria. Tinha que serenar. Não podia ir-se abaixo antes de encontrar Altheia.
Deliberadamente obrigou-se a sentar e não imaginar o corpo suave e branco de Altheia chamuscado e pisado. Tinha que pensar noutra coisa, em Bornis, por exemplo… No entanto acabou por pensar na esposa. Ela nunca tinha simpatizado com Bornis; a sua sensualidade e a duvidosa fama como conquistador ofendiam o seu conceito de moral. É verdade que sempre o havia tratado com cortesia devida a um amigo do esposo, mas, em geral, dava-lhe um tratamento gélido. E Bornis, compreendendo a sua atitude — e até possível que um tanto despeitado — era igual e educadamente frio. Agora ela estava estendida em qualquer parte, gemendo agonizante, provavelmente já fria.
Bornis terminou de se vestir e foram a toda a pressa ao Hospital, onde admitiram o comissário da polícia e o seu acompanhante. Percorreram salas cheias de corpos gementes e atormentados, vendo rostos feridos e queimados sem encontrar alguém conhecido. Foram ao Hospital de Misericórdia, no qual foram dar com Sylvia SchuyIer. Ela contou-lhes, antes de desmaiar, que na confusão do teatro se separara de Altheia e do marido e não voltara a vê-los.
Quando regressaram de táxi, Bornis deu instruções em voz baixa ao taxista, mas Dowe não teve necessidade de ouvir para saber onde se dirigiam: à morgue. Não havia outro local.
Começaram a olhar entre os corpos alinhados, terrivelmente deformados. Dowe já não sentia nada; nem compaixão, nem! repugnância. Olhou um rosto; não era Altheia, logo não era nada; passou ao seguinte.
Os dedos de Bornis apertaram-se convulsivamente no braço de Dowe.
— Ali!… Altheia!…
Dowe voltou-se. Um rosto que os tacões das botas haviam desprovido de feições, um corpo enegrecido e cortado com as roupas esfarrapadas. O único que de humano restava era as pernas; sem se saber como, haviam escapado à mutilação.
— Não, não! — chorou Dowe.
Não acreditava que aquela coisa deformada e queimada, fosse a extraordinária brancura de Altheia.
E no meio daquele horror em que Dowe por um instante ficou desnorteado e louco, a voz de Bornis, vibrante, angustiada… quase num grito:
— Digo-te que é ela! — estendeu o braço para apontar o lugar onde as pernas se juntam.
— Olha, olha! O sinalzinho secreto!…

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