19 de abril de 2012

CALEIDOSCÓPIO 110

EFEMÉRIDES – Dia 19 de Abril
Melville Post (1869 – 1930)
Melville Davisson Post nasce em Harrison County, Virginia, EUA. Advogado, político, candidato à presidência dos EUA, é também escritor de contos e romances policiários. Cria vários personagens: Randolph Mason, Sir Henry Marquis e Uncle Abner, que são a figura central de alguns romances e vários contos reunidos em 13 livros de colectâneas. O livro Uncle Abner, Master of Mysteries (1918) inclui um conto dos contos mais marcantes do autor: Doomdorf Mystery; e o romance The Strange Schemes of Randolph Mason (1901) está incluído na lista dos 100 livros mais importantes editados antes da chamada idade de ouro do policiário.

Eliot Ness (1903 – 1957)
Nasce em Chicago, Illinois, EUA. Famoso pela sua luta contra o crime organizado, é o chefe de uma equipa lendária de agentes federais — honestos e incorruptíveis — conhecida como The Untouchables, que se notabilizou pela detenção de Al Capone. Eliot Ness publica em 1957 The Untouchables, um livro que alcança um sucesso imediato, por descrever as histórias reais de um herói americano. O livro é adaptado a duas séries de televisão, uma na década de 60 e mais tarde em 1993-94; é também é adaptado ao cinema em 1987 no conhecido filme de Brian De Palma.


George Bellairs (1902 – 1985)
Harold Blundell nasce em Heywood, Lancashire, Inglaterra. Publica o primeiro livro, Litlejohn On Leave em 1941, com o pseudónimo George Bellairs e até 1980 escreve um total de 58 romances, quase todos protagonizados pelo inspector Thomas Litlejohn. O autor publica também 4 livros sob o pseudónimo Hilary Landon.


TEMA — ESTUDO — MISTÉRIO
De A. Pereira da Silva

Mistério é um dos vocábulos que o homem aprende a interpretar sozinho, à força de o ouvir. Palavra que encerra um mundo de ideias, um universo de interrogações. Tudo está sujeito ao mistério e nada sujeita o mistério. É a essência da vida.
Um dicionário vulgar dir-nos-á que “mistério” significa correntemente “o que é incompreensível”, contendo também as acepções religiosas de “culto secreto no politeísmo” e “dogma ou objecto de fé inacessível à razão”.
Porém, “mistério” encerra um mundo de ideias, um universo de interrogações.
Muitos dedicam a sua vida a devassar esse mundo e a divulgar os frutos colhidos sob a forma designada por “literatura de ambiente policial”, mas há também os que empregam as ideias colhidas na prática do mal: os mal intencionados e os criminosos. Muitos consomem a existência a pesquisar esse universo e a destruir as interrogações que lhe dão forma: são os sábios, os filósofos e os ateus.
Ilustres pensadores e homens de letras de todas as Eras, de todas as classes e de todas as raças se lhe referiram das maneiras mais variadas e contraditórias. Assim, Antoine de Rivarol, célebre literato francês que viveu na segunda metade do século dezoito, dedicou-lhe uma expressão cuja evidente beleza contrasta com o seu sentido belicoso: “É a ténue bruma do mistério que aumenta o encanto da conquista”.
Tyron Edwards demonstra ter compreendido que o mistério tudo sujeita, de facto, e por nada é sujeitado. Ocasião houve em que afirmou: “O mistério é apenas sinónimo da nossa ignorância; se fôssemos omniscientes, tudo seria perfeitamente claro. Já Filipe Chesterfield, estadista e escritor inglês que legou à posteridade as célebres “Cartas a Meu Filho”, obra grande mas de moral assaz duvidosa, não partilhava da mesma opinião, uma vez que sentenciou: “Um verdadeiro segredo é o único mistério dos homens capazes; o mistério é o único segredo dos fracos e dos astuciosos”.
Chega a ser curiosa, por extremamente antagónica, a divergência de opinião entre estes vultos de renome do passado. Ao passo que um olha o mistério como algo de supremo, de sublime, e reconhece a fraqueza do homem — ente de pó formado que em pó se transformará — o outro revela um orgulho ilimitado na sua condição humana, chegando ao ponto de a sobrepor à existência do mistério.
Referindo-se à fé religiosa, ou mais propriamente à falta dela, Jeremy Taylor disse que “uma religião sem mistério deve ser uma religião sem Deus”. Há, porém, um pensamento ateísta que se lhe opõe: a religião exige fé, mas não a alimenta". A eterna luta: crer ou não crer.
O homem vive Imerso no mistério. Tudo o que o cerca se acha envolto num halo mais ou menos nítido de inexplicável. Talvez, por isso mesmo, resolveu criar ele próprio novos mistérios, idealizar figuras e lendas de cunho enigmático.
Uma das imagens mais vulgarizadas que personificam o mistério, é a esfinge, esse monstro fabuloso de corpo de leão e cabeça humana. Conta-se que em tempos imemoriais, uma esfinge propunha enigmas aos viajantes que, indo ou vindo de Tebas, a célebre cidade “das cem portas” do Egipto antigo, tinham a desgraça de chegar ao seu alcance. Como não soubessem a resposta às ardilosas perguntas, devorava-os — fim que só Édipo conseguiu escapar, respondendo à Esfinge, que inquirira QUAL É O ANIMAL QUE ANDA COM QUATRO PÉS DE MANHÃ, SOBRE DOIS AO MEIO-DIA E SOBRE TRÊS A NOITE? È o homem, pois se arrasta pelo chão nos primeiros tempos da sua vida, caminha erecto na idade adulta e durante a velhice serve-se do bordão. Daí derivou a eleição da esfinge para designar tudo quanto é misterioso, tendo Édipo ficado como um símbolo opositor do mistério.
Outra das mesmas imagens, por sinal com elo de ligação com a supracitada, é o “económico” gato. Este animal, de índole hipócrita e comodista, possui a tendência quase invariável, desde que tenha o estômago cheio e o sono o não importune, de se deitar sobre os membros e fixar um olhar frio, imóvel, misterioso, num ponto à sua frente. A posição é a cópia fiel da famosa esfinge do Gizet: olhar pregado no horizonte, corpo deitado de ventre para baixo, patas traseiras parcialmente ocultas e dianteiras estendidas para diante. Posição arrogante, altaneira… plena de mistério do mais genuíno.
Para os franceses, porém, não existe forma, morta ou viva, que com maior perfeição possa encarnar o mistério do que o sorriso da “sua” Mona Lisa “A Gioconda”. Supérfluo será dizer que “A Gioconda” é um dos quadros mais famosos do mundo - possivelmente o mais famoso, atendendo à publicidade feita em torno do enigmático sorriso daquele suave rosto de mulher — e é da autoria de Leonardo Vinci, esse incrível florentino que além de grande pintor foi escultor, arquitecto, f1sico,engenheiro,escritor e músico de nomeada. O “sorriso da Gioconda” tem desesperado especialistas dos mais iminentes. Todos procuram soluciona-lo, atribuindo-lhe uma razão satisfatória. A mulher que serviu de modelo, cuja identidade é também um enigma, dadas as dúvidas mais ou menos sensatas que surgiram de que se tratasse realmente da jovem florentina Mona Lisa del Giocondo, foram-lhe atribuídas numerosas enfermidades como justificação da expressão enigmática com que surge na tela exposta no Louvre, em Paris; afirma-se mesmo, que se tratava de uma surda-muda.
O segredo de identidade do modelo supera, ligeiramente, neste momento, o interesse suscitado pelo sorriso. As conclusões a que chegou um conhecido investigador de arte, dr.Gukowsky, referem que a verdadeira Mona Lisa del Giocondo foi retratada por da Vinci, sim, mas num outro quadro conhecido por “Colombine”.
De qualquer maneira,"La Joconde", como lhe chamam carinhosamente os franceses, continua a sorrir e a desafiar os mais proeminentes historiadores. Conseguirá algum destes decifrá-los antes que um dos vândalos que têm vindo a tentar destruir a tela realize o que os seus antecessores não concretizaram?
Todavia, para o homem comum e em geral, só a mulher e simples mulher exprime o mistério com a correcção que é mister. A mulher, acha ele, é um ser dado a caprichos, a extravagâncias, mudanças intempestivas de disposição e principalmente a pensamentos insondáveis.”Vá lá um homem compreender as mulheres”; é o desabafo que se escuta a todo o momento nos quatro cantos do mundo.
Mistério!
Uma palavra simples que tudo sujeita; uma simples palavra que por nada é sujeito.


TEMA — PEQUENAS GRANDES JÓIAS DO CONTO — MEMÓRIA
De H. P. Lovecraft

(Visão do Mundo quando o Homem for simples recordação)

No vale de Nis a maldita lua minguante brilha debilmente, rasgando-se num raio de luz de débeis rastos, através da folhagem letal de uma grande árvore. No mais profundo do vale, onde a luz não chega, movem-se formas que não devem ser vistas. A erva cresce, exuberante, por toda a parte — trepadeiras daninhas, e outras plantas, trepam por entre as paredes de palácios em ruínas, enroscando-se fortemente sobre velhas colunas e monólitos estranhos, levantando os pavimentos de mármore colocados por mãos esquecidas. Nas árvores gigantescas que crescem nos pátios desmoronados saltam pequenos macacos, enquanto dentro e fora dos profundos arcos dos tesouros se enroscam serpentes venenosas e bichos sem nome.
Grandes são as pedras que dormem sob um tapete de musgo húmido, poderosas foram as muralhas que se abateram. Os seus construtores erigiram-nas para todos os tempos e, em verdade, serviram nobremente, já que o solo cinzento ali tem a sua morada.
No mais fundo do vale situa-se o rio Than, cujas águas são lamacentas, repletas de ervas viscosas. Surge de uma nascente oculta e flui por grutas subterrâneas, de modo a que o Demónio do vale não saiba que as suas águas são vermelhas nem para onde se dirigem.
O Génio que frequenta os raios da lua falou ao Demónio do Vale nestes termos:
— Sou Velho e esqueci muito. Fala-me dos trabalhos, aspecto e nome dos que construíram estas coisas de pedras.
O Demónio replicou:
— Eu sou a Memória, sou sábio no saber do passado, mas também sou velho. Esses seres foram como as águas do rio Than, não puderam ser compreendidos. Não recordo os seus trabalhos, porque foram coisas do momento. Recordo vagamente o seu aspecto, era como o dos pequenos macacos das árvores. Recordo bem o seu nome, porque rima com o do rio. Esses seres do passado eram chamados Man. O Génio regressou voando para a delgada lua, em forma de cornos agudos, o Demónio ficou-se a olhar fixamente um pequeno macaco a subir pela árvore que crescia no pátio arruinado.


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