18 de abril de 2012

CALEIDOSCÓPIO 109

EFEMÉRIDES – Dia 18 de Abril
Norbet Davis (1909 – 1949)
Norbert Harrison Davis nasce em Morrison, Illinois EUA. Licenciado em direito, começa a escrever para revistas como Black Mask e Dime Detective; publica um total de cerca de 60 contos e é dos escritores importantes de pulp fiction dos anos 30-40. É o criador de uma dupla constituída pelo detective privado Doan e pelo matulão Dane Carstairs, heróis de três romances recheados de humor: The Mouse In The Mountain (1943), que também é editado com o título Dead Little Rich Girl and Rendezvous With Fear, Sally’s In The Alley (1943) e Oh, Murderer Mine (1946). Publica ainda, sob o pseudónimo Harrison Hunt, Murder Picks The Jury (1947) com Todhunter Ballard como co-autor.


Albert Simonin (1905 – 1980)
Nasce em Paris. Electricista, motorista de táxi, jornalista de desporto é conhecido por ter publicado em 1957 um dicionário de gíria. Em 1953 escreve Touchez Pas Au Grisbi!, que lhe dá o prémio Les Deux Magots do mesmo ano; este livro inicia uma trilogia dedicada ao envelhecimento de um gangster, Max, O Mentiroso. Le Cave Se Rebiffe, em 1954, e Grisbi Or Not Grisbi, em 1955 completam a trilogia, mais tarde adaptada ao cinema. O autor escreve mais 6 romances — polar e thriller — e cerca de uma dúzia de argumentos para cinema, e é nesta área que recebe em 1964 o Edgar Award para melhor argumento de filme estrangeiro com Mélodie En Sous-sol ou Any Number Can Play. Albert Simonin é considerado um dos criadores do movimento literário argot, que usa o calão das ruas como linguagem literária
1 – A Pasta É Sagrada (1967), Nº59 Colecção Rififi, Editoral Íbis. Título Original: escreve Touchez Pas Au Grisbi! (1953)
2 – Uma Questão de Massa (1967), Nº63 Colecção Rififi, Editoral Íbis. Título Original:(?)




 
TEMA — CRIME
Parece estar na ordem do dia “importar sarilhos”. Fontes jornalísticas dão-nos conta de uma vaga de carteiristas e ladras de ocasião provindas de fora a juntar-se ao produto nacional.
O facto recorda-nos a célebre Giraldina, alcunha de Maria Rosa nascida em 1866 e entregue a si própria desde os 13 anos, que tanto deu que falar e escrever, durante os poucos anos de vida, dos quais 18 em cativeiro.
Analfabeta, inventiva, alegre e intuitiva, nunca cedeu à prostituição, mas sentia um gozo tremendo em aldrabar os/as que com ela se cruzavam. Era comummente conhecida por Giraldina pelas donas de casa, as principais vítimas da sua capacidade de improviso. Nunca praticou grandes roubos, nem usou violência.
Conta-se que um dia, ao passar pela rua do Salvador, notou um 3º andar para alugar. Rapidamente subiu e bateu à porta de uma vizinha que, por sorte sua e azar da outra, era a encarregada do aluguer e possuía a chave. Depois de dois dedos de conversa amena, pareceu gostar da casa que lhe foi mostrada e pediu o endereço do senhorio para ir pagar a renda. Obtida a morada voltou cerca de uma hora depois com uma galinha debaixo do braço, mostrando-se preocupada, pois a casa só lhe seria entregue no dia seguinte e não tinha onde ficar e cozinhar a galinha para o jantar. A futura vizinha, ante a sua aparente aflição, não só lhe ofereceu o quarto para essa noite, como deixou cozinhar a galinha com que as duas se banquetearam. Na manhã seguinte a dona da casa avisou Maria Rosa que ia à Praça da Figueira, mas que não abrisse a porta a estranhos, pois andava por ali uma ladra de peso, capaz de enganar o diabo.
Quando regressou não encontrou a Geraldina. Com ela havia desaparecido tudo quanto guardava de algum valor, nem os anéis de viúva que tinham ficado na casa de banho escaparam.
Geraldina morreu vítima de tuberculose, que escondia há alguns anos.



TEMA — BREVE HISTÓRIA DA LITERATURA POLICIÁRIA – 9
(continuação de
CALEIDOSCÓPIO 105)
A história é típica da época e se bem que, com textos diferentes, pode remontar a uma lenda escrita entre 1010 e 1020, ou constante da Gesta Danorum de Saxo Grammaticus (1150-1220). Mas, quem duvidará que Hamlet usou da pratica própria de um detective arguto e conhecedor dos métodos modernos de detecção de crimes? Convencer o culpado de que o seu crime é conhecido., sem quaisquer possibilidades de fugir ao castigo, é um dos capítulos da psicologia criminal elementar.

Muito próximo do dramático escrito anterior, pelos anos 1605 – 1615, um dos autores mais venerados da língua castelhana, Miguel de Cervantes (1547-1610), apresenta-nos o personagem D Quixote, um verdadeiro Alonso Quijano ou Quijada, que caracteriza o louco sonho do homem para quem a glória é honra e vida; mas é do seu escudeiro Sancho Pança, em oposição àquele a humildade, não fidalgo, preocupado com o amo e com o próprio corpo, cônscio da importância que assumem as suas primordiais necessidades, que discutimos. Cansado, faminto, sequioso, com uma figura baixa e ridícula, talvez com pouco sal na moleira mas de onde saem, por vezes, autênticas revelações dignas de um apurado polícia investigador.
Depois dois velhos apresentaram-se diante de Sancho Pança. Um deles carregava uma bengala na mão, como amparo; o outro, que não tinha amparo, disse a Sancho:
— Meu senhor, faz algum tempo emprestei a este homem dez coroas de ouro para servi-lo, sob a condição de que mas devolveria a meu pedido. Deixei passar alguns dias sem nada pedir; não querendo criar uma situação pior do que a que se encontrava quando as emprestei.
Mas afinal, achando que já era mais do que tempo de ser reembolsado, por mais de uma vez pedi que me devolvesse o dinheiro, mas em vão: ele não só me recusa o pagamento, como nega a dívida e diz que nunca lhe emprestei tal soma, ou, se a emprestei, que já me pagou.
Não tenho testemunhas do empréstimo, nem ele do pagamento que afirma ter feito e que eu nego: porém, se ele jurar diante de vossa senhoria que me devolveu o dinheiro, a partir deste momento eu desligo-o da dívida, diante de Deus e do mundo.
— Que tem a dizer de tudo isso, cavalheiro? — perguntou Sancho.
— Confesso, meu senhor — replicou o velho — que ele me emprestou dinheiro e se vossa senhoria quiser baixar o bastão, já que ele se sujeita ao meu juramento, jurarei que na verdade devolvi o dinheiro emprestado.
Sancho Pança, como lhe fora pedido, baixou o bastão e o velho, atrapalhado com a sua bengala, entregou-a ao seu credor para que a segurasse enquanto ele jurava; aí, pegando na cruz do bastão, disse que era mesmo verdade que o outro lhe emprestara dez coroas, mas que ele as havia restituído, colocando-as na sua própria mão. Provavelmente esquecido disso, o outro vivia pedindo a devolução do dinheiro.
Após o que, sua excelência, o governador, perguntou ao credor o que tinha a dizer em resposta à solene declaração que acabara de ouvir.
O homem replicou que não podia duvidar da palavra do seu devedor, pois o tinha na conta de homem honesto e bom cristão; e que, uma vez que a falta parecia caber à sua memória, dali por diante não mais pediria a devolução do dinheiro.
O devedor, então, tornou a pegar na sua bengala e, com uma mesura ao governador, saiu do tribunal.
Sancho começou a meditar e apoiando o indicador da mão direita na testa, ficou a reflectir durante um minuto inteiro. Depois, erguendo a cabeça, mandou que trouxessem novamente à sua presença o velho da bengala.
— Amigo honesto — disse o governador — dê-me a sua bengala, pois tenho necessidade dela.
— De todo o coração — respondeu o velho entregando-a.
Sancho tomou-a e dando em seguida ao outro velho, disse:
— Olhe, receba isso e vá tratar da sua vida, em nome de Deus, pois agora está pago.
— Pago, eu, meu senhor? — replicou o velho.— Mas então a bengala vale dez coroas de ouro?
— Sim — respondeu o governador — ou então eu sou o maior asno deste mundo. Veremos agora se tenho ou não cabeça para governar um reino.
Sancho Pança ordenou então que a bengala fosse quebrada ali mesmo. E feito isso, dez coroas de ouro foram encontradas no seu interior.
Todos os espectadores vibraram de admiração e começaram a olhar o seu governador como um segundo Salomão. Perguntaram-lhe como descobrira que as dez coroas estavam na bengala.
Sancho Pança respondeu que, tendo observado o réu entregá-la ao queixoso, para segurar, enquanto prestava juramento de que na realidade devolvera o dinheiro na sua própria mão, e feito isso pegara novamente na bengala, veio-lhe de repente a ideia de que o dinheiro em disputa devia estar escondido na bengala.
Daí — acrescentou ele — podem ver que por vezes Deus resolve dirigir os pensamentos daqueles que governam, embora sejam verdadeiras cabeças de pau.

M. Constantino

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